domingo, 17 de maio de 2015

A Pedra da Paciência - Syngué sabour


Reza uma lenda persa que ao encontrar uma pedra mágica deve-se contar a ela todos os nossos segredos. Aquilo que normalmente não revelaríamos nem ao nosso travesseiro a pedra escuta, silenciosa, sem julgamentos...e quando ela se partir em pedaços significa que a pessoa se livrou do peso daquelas confidências e agora pode seguir livre sua vida. O nome da pedra? Pedra da paciência.
Também é o nome de um filme de produção conjunta França, Alemanha e Afeganistão cuja história se passa neste último. Um local dominado pelos extremistas do Estado Islâmico, que invadem as casas, impõem regras e normas absurdas....(muito semelhante a um outro filme, Timbuktu, do qual também vou comentar em breve), mas isso é apenas o pano de fundo.
Na verdade, o foco do enredo são os diálogos, se é que se pode dizer assim, travados entre a esposa, interpretada pela atriz belíssima Golshifteh Farahani, e o marido em estado vegetativo - um herói de guerra, por Hamidreza Javdan -  em coma porque levou um tiro ao defender a própria honra, que faz as vezes de pedra da paciência.
A lenda, bem como as falas da personagem solitária, me fizeram lembrar o papel do psicanalista. Com a diferença que, ao contrário da pedra que se mantém sempre calada, o profissional que trabalha com o inconsciente humano faz pontuações durante as sessões de análise, com o intuito de chamar a atenção do analisando para detalhes que talvez ele não tenha notado e que serão importantes no desenvolvimento de suas descobertas sobre si mesmo.
Mas no filme, a jovem afegã se descobre, falando para o marido sobre coisas que normalmente jamais poderiam ser ditas, com pena até mesmo de morrer apedrejada.
Depois de dez anos de um casamento no qual nunca foi ouvida pelo marido, ela diz: só agora você está me ouvindo. Você nunca me ouviu, nunca me beijou...
E quantas mulheres conhecemos que vivem exatamente assim? Não se sentem ouvidas por seus companheiros... não beijam mais...Dá pra imaginar um relacionamento marital onde o beijo, e qualquer outro tipo de toque que lembre de longe um carinho, foi totalmente excluído?
Assim vive a maioria dessas mulheres afegãs representada pela personagem de A Pedra da Paciência.
Mas, me pergunto, será que em nossa sociedade ocidental, considerada tão livre, tão democrática (como diria Deleuze: desconfio das democracias) esse tipo de situação não existe?
Não digo pelo excesso de rigor que o islamismo impõe (embora isso seja bastante controverso e essa é uma seara na qual não quero me meter a analisar por conhecer muito pouco), mas quantas mulheres bem próximas a nós passam boa parte da vida sem beijar na boca o próprio marido simplesmente porque o primeiro sintoma de que algo não vai bem numa relação é a interrupção dos beijos.
O sexo pode se manter, mas sem beijo na boca. Atitude muito parecida com a adotada secularmente pelas prostitutas que, por contrato do oficio, se propõem a fazer de tudo (inclusive mentir para o cliente dizendo que ele é o melhor), menos beijar na boca.
Bom, mas voltando ao Pedra da Paciência, não é um filme que nos leve às lágrimas. E raros são os momentos que nos faz rir.
Mas  tem cenas muito simbólicas: o encontro com a tia e a força da união desse feminino paradoxalmente tão forte num país onde o masculino impera; a surpresa diante da impotência do guerrilheiro que, buscando sexo, encontra compreensão e carinho; a contradição que leva à sobrevivência ao mentir que vende o corpo pra se livrar de um estupro iminente.
É um filme que, pelo nome, não se tem a menor ideia  da grandeza e da profundidade do seu conteúdo. Reflexivo, emociona quando se imagina que o drama retratado por ele pode estar muito mais perto de nós do que imagina nosso vão suposto saber.
Faz pensar em como avançamos pouco no quesito respeito ao ser humano.
Não conhecia o diretor Atiq Rahimi, mas me encantei com ele.
Valem a pena todos os minutos do filme, que recebeu indicações ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2014 e ao Cesar de atriz revelação. Merecidos ambos os prêmios que, infelizmente, não aconteceram.
Talvez porque, afinal, a condição feminina retratada por A Pedra não seja assim um privilégio apenas de sociedades muito rígidas como as pautadas pelo islamismo e dominadas, agora, pelos extremistas muçulmanos que, na verdade, fazem suas próprias regras alegando ser tudo vontade de Alá.
Alá que o diga!
Clica no link para ver o trailer oficial. Espero que gostem!
A Pedra da Paciência

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