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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Toda mulher sabe sempre duas coisas

Há 35 anos nascia Patrick. Gertrudes tem certeza de que ele foi concebido no dia 12 de junho de 1985. Por quê? 
Primeiro porque toda mulher sabe sempre duas coisas: quem é o pai (já dizia Freud...) e quando fica grávida. 
Por isso ela achava muito bizarras as cenas de novelas ou filmes onde a mocinha desmaia e...pimba! "descobre" que engravidou. 
"Ora bolas", dizia Gertrudes para as filhas adolescentes, Emma e Monique, do primeiro casamento: "Primeiro sinal de gravidez é a falta da menstruação, óbvio! E o principal: se você transou sem proteção, ou seja, sem nenhum tipo de contraceptivo, suas chances de engravidar são de 99%". Simples assim, raciocinava a pragmática dona de casa de quase 40 anos.
Na noite em questão, conta Gertrudes que o pai do Patrick chegou de surpresa. Como assim, chegou de surpresa? 
Explico: na época, a família Durand morava numa pequena cidade no interior e Jean Pierre, pai de Patrick, passava a semana toda na capital a trabalho. Só ia para casa nos finais de semana. 
Como era Dia dos Namorados, porém, ("uma quarta-feira, me lembro até hoje", disse) o romântico marido apaixonado resolveu aparecer de surpresa e ainda trouxe na mala uma lingerie sexy de presente para sua Gertrudes. Gertrudes que, nesse tempo, havia justamente abolido o uso de pílulas anticoncepcionais depois de um escândalo envolvendo um grande laboratório farmacêutico que vendia pílulas falsas. 
Além disso, como ela se protegia dessa forma há mais de 10 anos, havia decidido, por orientação médica, a utilizar outro tipo de contraceptivo, menos tóxico, como a camisinha.
Acontece que Jean Pierre, assim como 99% dos homens da sua geração, odiava usar camisinha. E ela, assim como 99% das mulheres da sua geração, das anteriores e das posteriores, tinha uma certa dificuldade em dizer "não" para o desejo do outro. 
O resultado dessa combinação faz aniversário hoje.

"Eu soube na hora: fiquei grávida", lembra Gertrudes com um sorrisinho maroto. "Duas semanas depois, o primeiro e fatídico sinal: nada de menstruação". 
Mas, mesmo não tendo planejado, diz ela que ficou feliz e que teve outra certeza: a de que desta vez era um menino! "De cara pensei no nome: Patrick".
De fato, a convicção era tanta que contou a novidade para as meninas antes mesmo de receber a confirmação do laboratório sobre seu estado interessante:"Disse que elas teriam um irmãozinho, o Patrick". Segundo ela, as garotas vibraram de alegria! 
Emma, a mais nova, teria perguntado: "Mamãe, mas como você sabe disso tudo?". 
Gertrudes teria respondido: "Não sei como sei. Só sei que sei".
Dessas certezas antissocráticas que só as mulheres possuem...    

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

LUTO

Hoje faz um mês que meu irmão, Zezé, morreu. 

Não temos muitas fotos juntos. Uma ou outra quando eu era bebê, ele me carregando no colo. Depois, acho que no casamento dele (eu fui madrinha do primeiro) e no meu (ele foi padrinho do primeiro) e alguns Natais e encontros familiares. 


Esta foto aí foi tirada em 2003/4 não tenho certeza. 
Foi em Foz do Iguaçú numa casa linda onde ele morou com a segunda família. 


Nunca fomos muito próximos, sabe? desses irmãos superunidos? não. Não era o nosso caso.
Mas nos ajudamos sempre que foi possível. Teve um tempo que precisei morar na casa dele com toda minha família e ele me acolheu. Teve um tempo que ele veio pra minha.
Ele saiu de casa muito jovem. Com 16 ou 17 anos foi pra Guaratinguetá servir na Aeronáutica. Depois foi morar no RGS por muitos anos. Nos víamos nas férias. Nos anos 80 ele veio pra SP. Eu fui pra Boituva em 87 e acho que até 96 foi o período que estivemos mais unidos. Praticamente todos os finais de semana ele ia pra minha casa em Boituva. Fim de ano revezávamos: um ano lá, outro cá.
Na última década estivemos bem distantes. Não só geograficamente (ele estava em Mongaguá). Mas era uma coisa assim: não houve uma briga, uma discussão...nada. 

Apenas um distanciamento silencioso. Sem mágoas (pelo menos de minha parte). Nos falávamos por telefone e mais recentemente pelos aplicativos de praxe. Ele sempre muito reservado. Pelo menos comigo. Era a impressão que eu tinha. Diferente daquele Zezé que animava as festas em casa.
Em maio ele me deu uma notícia chata: era sobre a sua doença. Nos vimos algumas vezes nesses últimos seis meses - não tantas quantas eu gostaria -.
Mas a última vez (que eu ainda não queria aceitar que seria a última, embora lá no fundo da alma soubesse) foi decisiva. Houve um olhar. Houve um aperto de mão longo, carinhoso, forte.. ficamos minutos assim, de mãos dadas, mas era um aperto de mão diferente. Um significante de "eu te amo" que acho que eu só disse uma vez, numa carta, quando ele estava havia poucos meses no RGS quando eu tinha uns 15 anos.
Parece que preciso da distância pra avaliar com clareza os sentimentos. A sensação, hoje, é a de que ele simplesmente está distante, meio que como sempre esteve de um jeito ou de outro, mas que a qualquer momento vamos nos ver, ou nos falar.
É isso. Não tive vontade de expor publicamente um mês atrás. Mas agora é possível.
Precisei de um certo distanciamento. De novo.


(texto publicado originalmente no Facebook em 06/12/2017)

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

ODE AOS CRENTES

Acreditei em cegonha, coelhinho da Páscoa e Papai Noel
Acreditei que o homem andou na lua
Acreditei que leite com manga fazia mal
Acreditei.
Acreditei que o bem sempre vencia o mal
Acreditei que bastava me confessar para um padre que os pecados estariam perdoados
Acreditei em pecados
Acreditei em perdão
Acreditei.
Acreditei em finais felizes e fins de semana coloridos
Em almoços de família em domingos ensolarados
Acreditei em versos e prosas
Em discursos e movimentos
Em ideais e mantras
Acreditei.
Acreditei em afirmações positivas
Em meditação ativa
Tarô, mitos e astrologia
Acreditei que amor rima com dor
Rima empobrecida e desgastada pela rotina
Acreditei em vida eterna, vida longa, sem limites
Acreditei
E finalmente, acreditei nas pessoas, nas promessas, nas palavras
Sem saber que é preciso aprender a não acreditar em nada
Que não seja em sua própria falta de razão para existir.

Apenas ser.

domingo, 13 de agosto de 2017

Meu pai já era um metrossexual nos anos 50


Não sei se na década de 50 todos os homens eram vaidosos como meu pai. Vendo as fotos de sua juventude, e juntando com as minhas lembranças, acho que ele já era um metrossexual naquela época. Usava terno todos os dias, sempre cheiroso com sua Água de Lavanda Alfazema, tinha o cuidado de sempre ter um lenço de cambraia em um dos bolsos do paletó com o mesmo cheirinho da lavanda (quem viu o filme "O Estagiário", com o Robert de Niro, sabe do que estou falando!). Vestia-se com elegância em todas as ocasiões. Mesmo para ficar em casa, lá estava ele de calça e camisa social (de manga curta), sapatos e meias. Chinelos só para ir do quarto para o banheiro na hora do banho, ou na praia!
Cuidava da nossa saúde, sempre atento a espirros e tosses, febres e diarreias. Nos medicava com fitoterápicos. Era adepto à homeopatia. Queria ter sido médico - sua maior frustração -. Não deu. Com pouco mais de 14 anos teve de sustentar a mãe e mais 9 irmãos menores com a morte prematura do pai - um jornalista boêmio que não se ligava muito em contas e outras obrigações. Herança do avô e do bisavô. Todos jornalistas e boêmios (como a maioria de seus irmãos).
Assim, contam as histórias. Meu pai não foi jornalista, mas adorava ler jornais, lia uns três por dia e eu cresci ali no meio daqueles jornais todos, e discos (ele adorava ouvir música sozinho na sala, na penumbra, e eu já me vi fazendo assim tantas e tantas vezes na minha vida), e livros, prateleiras e prateleiras deles, de todos os gêneros. Meu pai achava que a gente tinha de saber um pouco de tudo, além do que a escola ensinava. Meu interesse pelas civilizações antigas, papiros e pergaminhos vem daqueles livros enormes sobre egípcios, tumbas e faraós, e também um pouco porque ele era da Rosa Cruz - e às vezes eu lia escondida o material da Ordem que ele guardava a sete chaves num baú de madeira.
E a escrivaninha dele? Era meu xodó. Mas deu cupim, não conseguimos salvar.
Ele lutou na Revolução de 1932 - foi "pracinha". Tinha um parabelo e um capacete verde do exército como lembrança. Sentia orgulho de São Paulo ter-se rebelado contra o governo golpista de Getúlio Vargas. Era contra a ditadura mas não era a favor dos comunistas. Contra todo tipo de tortura e violência, como não tinha papas na língua, quando saía para trabalhar ficávamos com medo de ele ser preso porque ele não escondia de ninguém que abominava o governo militar, embora não fosse comunista! Ele sempre deixou clara sua admiração e respeito pelo povo russo, mas achava que ser contra o governo militar não fazia dele um comunista.
Tenho boas lembranças de papai nos almoços de domingo, quando a família invariavelmente se reunia, e em festas nas casas de parentes. E em viagens. Papai gostava de viajar. Nunca teve carro, mas isso não era problema. Tinha um amigo taxista que nos levava até a rodoviária em São Paulo (onde hoje é a cracolândia) e de lá pegávamos o ônibus para Itamonte, em Minas, na bela Serra da Mantiqueira - ponto de partida para passeios no circuito das águas: Caxambu, São Lourenço, Baependi. Outro roteiro de férias era Guaratinguetá, no Vale do Ribeira, onde ele havia passado parte da adolescência e juventude e onde ainda moravam bisavó e tias que fizeram parte de momentos importantes de minha infância. Talvez seu maior defeito fosse beber além da conta quase todos os dias. Mas não ficava agressivo. Chorava se estivesse triste, lamentando sua adolescência interrompida - , ou se estivesse alegre, cantava junto com os discos que ouvia. Arriscava dançar nos melhores dias.
Era um homem que queria ser alegre e deve ter sido. Talvez antes dos filhos chegarem e as responsabilidades aumentarem _ responsabilidade era uma palavra com um peso imenso que ele carregava nas costas desde os 14 anos. Essas fotos que ilustram este texto são de 1950, quando ele ainda estava em lua de mel... Parecia bem feliz!
Meu pai achava que o casamento devia ser a última opção de vida. "Primeiro faça e viva tudo que tem vontade. Conheça lugares, pessoas, tenha experiências..." - era seu mantra. Ele se casou depois de todas irmãs e irmãos se casarem e depois dele ter namorado todas que teve vontade até que conheceu minha mãe. Ele não achava que eu tinha de me casar. Antes, estude, trabalhe... Infelizmente eu não o ouvi - como em geral fazem todos os filhos. Fiz tudo junto e misturado.
Pena que ele morreu cedo. Ele fez (faz) muita falta. Eu mal havia me casado (a primeira vez). Então, meus filhos não tiveram a oportunidade de conviver com esse homem possível, cheio de qualidades e de defeitos, que tinha dias bons e outros nem tanto. Não era santo nem demônio. Era apenas o pai que me coube nesta vida.

domingo, 24 de abril de 2016

Essa sua canalhice

Não tem como. Hoje vou dar um fim em tudo. Essa sua miserável apatia me enlouquece.
Acendi um incenso pra ter pelo menos um cheiro bom no ar.
Coloquei mais açúcar na caipirinha pra ter um doce pra sentir.
Outro dia você me trouxe flores. Até chorei, lembra? Mas os chocolates....dei pro cachorro depois de saber das tantas outras presenteadas... Eu sei, você disse, você sempre diz: elas não importam.
Mas essa sua miserável inércia...
Não tem como. Hoje vou ter de dar um fim.
Liguei o ventilador pra ter mais ar.
Traguei a fumaça do charuto pra esquentar o peito vazio. Você deixa ele assim.
Naquele dia, você me deu o anel, lembra?
Eu te beijei por cinco minutos, boca, rosto, olhos, nariz... e você ria, ria... Estava feliz. Mas as cartas... dei pra reciclagem depois que encontrei as trocadas com tantas outras...
Eu sei. Você disse. Você sempre diz. Elas são nada!
Mas essa sua miserável presença...
Não tem como. Hoje vou ter de dar um basta.
Já deixei tudo pronto: martelo, cutelo, câmeras desligadas, as malas.
Quando você chegar com sua sedução eu vou te embriagar com aquele vinho, você sabe qual, aquele do encontro, o único que valeu a pena...por que pegaria um avião?...você disse, você sempre diz.
Tirei as crianças de casa e liguei o som.
Quando você dormir nos meus braços - sim, você vai adormecer feito um príncipe, como sempre, aninhado depois do amor, nos meus seios - nessa hora, vou dar um fim em tudo. Não tem como.
Essa sua miserável canalhice me excita.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Pajelança das letras

Você que lê e curte Repertório Feminino, experimente também Pajelança das Letras.

http://aladylou.blogspot.com.br/

Tem outra pegada, mais literária, ainda que não tenha pretensão de, serve como um laboratório para meus escritos.
Te espero lá!

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Coração albergue



não precisa entender tanto faz a ordem quando olho pra esses jardins ensimesmados minha vontade é despedaçar palavras cortar em várias partes esquartejar e fazer você engolir fração por fração até ser um inteiro completo desse amor fragmentado que eu teimo em cultivar todos os dias desde sempre desde quando nem havia a luz nem o verbo e se fez a dor que só os poetas entendem e você teima em dizer não existe é coisa do imaginário mas a minha é palpável é sanguinolenta malcheirosa putrefata e está à deriva à tona descoberta e você ignora ou finge e nessa hora salto no abismo desse desejo hermético obscuro inerte como as estrelas já mortas do universo vomitando os excrementos da saudade do seu toque nessa distância de anos luz que faz do nosso amor o mais antigo que invadiu meu coração quando me apaixonei pelas palavras não ditas pelas entrelinhas pelos escaninhos do tempo meu querido meu amigo desde sempre desde antes da criação do cosmos vou te amar aqui e morar em seu coração albergue que abriga todos os desvalidos inclusive eu entrei assim como um sem chão e você me deu de beber dos seus beijos me deu de comer do seu corpo  fui ficando e agora tenho direitos adquiridos por usucapião a sua ração diária de carinhos no café da manhã almoço e jantar petiscos de sexo nos intervalos meu amor talvez o que você nem saiba é que agora seu sangue circula no meu sistema na velocidade acelerada das manhãs apocalípticas do meu entardecer e antes que o sol se ponha definitivamente anote mais uma vez o que fica eu te amo mas não precisa entender tanto faz a ordem quando olho pra esses jardins ensimesmados minha vontade é despedaçar palavras cortar em várias partes esquartejar e fazer você engolir fração por fração até ser um inteiro completo desse amor fragmentado coisa do imaginário desde sempre desde quando nem havia a luz nem o verbo desde antes da criação do cosmos você teima em dizer não existe pelas entrelinhas pelos escaninhos do tempo você me deu de beber dos seus beijos me deu de comer do seu corpo  fui ficando e agora tenho direitos adquiridos por usucapião a jantar petiscos de sexo nos intervalos desse desejo hermético obscuro inerte como as estrelas já mortas vomitando os excrementos da saudade do seu toque vou te amar aqui e para sempre morar em seu coração albergue que abriga todos os desvalidos inclusive eu entrei assim como um sem chão mas não precisa entender tanto faz a ordem quando olho pra esses jardins ensimesmados minha vontade é te amar aqui e para sempre morar em seu coração albergue coisa do imaginário do meu entardecer quando nem havia a luz nem o verbo salto no abismo à deriva vomitando sanguinolenta malcheirosa putrefata quando olho pra esses jardins ensimesmados minha vontade é despedaçar palavras anote mais uma vez o que fica eu te amo

domingo, 19 de julho de 2015

E se fizer frio...azar


Ela me olha com os olhos pequenos rodeados de ruguinhas de expressão, pele bem judiada, entre surpresa e desconfiada quando me aproximei explicando minhas intenções. Ela era uma senhorinha baixinha e, muitas vezes, menor que a placa de 2 ou 3 dormitórios, lançamento venha conhecer que segurava com as mãos pequenas. Sabe aquelas pessoas que ficam paradas nas esquinas das ruas tomando conta de placas com propagandas de empreendimentos imobiliários nos fins de semana? Então. Sempre vejo essas pessoas ali paradas o dia todo em pé. Homens e mulheres de todas as idades. Cruzo com elas logo cedo quando vou pra São Paulo de trem, no sábado. Na volta, à tarde, estão lá ainda.
Sempre quis saber quem são essas pessoas, como vivem. Criei coragem e falei com a senhorinha. Apesar de surpresa pelo meu interesse, acabou me contando que mora bem longe, na Zona Leste, que pega ônibus, metrô e trem até um trecho onde se encontra com outros da turma que cobre aquela região. Uma van dirigida por um sujeito que funciona como um capataz (a expressão é minha, ela não disse isso) traz até ali. Ele dá ordens, explica o que pode e não pode, na hora do almoço leva os marmitex – que são consumidos ali mesmo, no chão das calçadas – e faz o pagamento no fim do dia.
E pra fazer suas necessidades? Ah, dona, a gente conta com a boa vontade das pessoas das casas ou de algum comércio por perto. E quando chove? Bom, se chover muito a gente é dispensada. E se fizer muito frio... azar. Ou torra no sol. E não pode deixar a placa cair nem ficar torta. Quando venta é pior porque tem de fazer força pra segurar a danada no lugar. Também não pode ficar de papo com as colega, nem sentar no chão. O certo é ficar em pé. Só que cansa, né? Aí a gente senta e reza pro fiscal não ver porque se ele pega a gente sentada vem bronca, desconta a diária sabe? A diária é trinta real. Dá um total de 60 no fim de semana. Mas eles descontam a marmitex e a condução de casa até a van é por nossa conta. No fim, não sobra muito, mas fazer o quê, né dona? Não tem muita escolha. Tô velha. Tenho pobrema de coluna. Nem faxina dá pra fazer.
A plaqueira tem três filhos pequenos (duas meninas e um garoto) e mora com a mãe de quase 70. Faz outros bicos durante a semana. Emprego, emprego mesmo de verdade nunca teve. Os seus 48 anos aparentam mais. Só estudou até o quinto ano – não sabe até quando vai conseguir segurar placas nas ruas em pé oito horas seguidas. Mas, por enquanto, é essa placa, que ela segura com firmeza apesar de sua figura frágil, que lhe dá algum alento.

Engraçadinha, mas...


Não tenho inimigos. 
Apenas desafetos
Afetados pelo próprio
(Des) afeto.

Inteiro



Pedaço, pedaço, pedaço, 
Um pedaço pra cada uma. 
Mas quando ele vem
Meu pedaço é só meu. 
Não divido com ninguém. 
O meu pedaço é inteiro
Não vem aos pedaços.

A Outra


Levava a pequena criança pela mão, atravessava o mar de carros na avenida e voltava pra casa. Era assim todas as manhãs e à tarde. Não questionava.
Depois, bebia o chá, comia o bolo e sonhava: agora sou outra.
Feira, açougue, padaria. Fogão, máquina de lavar. Mas hoje, hoje vai ser diferente. Porque agora sou outra.
Coloca o vestido decotado, calça o sapato de domingo, passa o batom e o perfume emprestados, e sai para encontrar seu amor.
No caminho, alimenta o sonho: agora sou outra.
O coração, acelerado, lugar-comum dos apaixonados, quase pára com as lembranças das cenas na sala de estar da casa da melhor amiga. Foram beijos obscenos, pegação, esfrega-esfrega e a promessa de Jurandir: quero te comer todinha. Me liga. Era sua primeira vez como a outra. Mas que importa? Agora sou mesmo outra.
E no local combinado, assenta o corpo na cadeira do café. Pede um cappuccino e suspira enquanto deseja o marido da amiga, um gostoso tão diferente daquele indigente, pai de sua filha.
Meia-hora, uma hora...finalmente...o encontro naufragado. Os olhos choram por dentro. O que eu fiz de errado? Agora não sou a outra?
Travestida de indiferença, paga a conta pro garçom que, acostumado, adivinha o desfecho do enredo. Mas, não, com ela, não. Afinal, agora ela era outra.
Volta pra casa, se arrasta. Depois, pega a criança pequena pela mão, atravessa de volta o mar de carros e em casa faz sopa de letrinhas. Mistura lágrimas à salsinha, coloca ração para o gato, água para o periquito, tira a roupa do varal... enquanto pensa: agora sou outra mulher.

domingo, 28 de junho de 2015

O velório

 


Sono, pálpebras pesadas,
fecho os olhos, era eu ali
engolindo as mortas-vivas....
uma pós-culpa.
era eu Julieta.
Bebo o veneno.
morro antes do alvorecer?
Não. Mato antes.
Que se dane.
quero que ela morra
de morte bem matada.
E a outra? Idem.
de morte bem morrida.
As duas debaixo de sete palmos
de terra feia e escura.
Morram! Antes elas do que eu
Eu vivo! ele vive, e nem sabe, o defunto.

Moonlight espiralada

 
A batida no teclado
ouvindo o jazz - coisa antiga -
dedilhando o laptopo? o smartphone?...
quem sabe?
dá um shazam pra salvar
o nome da música.
e a letra?
Sim, a letra, ela tudo sabe,
ela escreve e reinscreve
você também sabe bem o quê.
minha falta? meu furo?
em que buraco você foi se meter?
I see moonlights
Don't get me wrong
They come and go like fashion.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Felizes para sempre? Ou Onde colocar o desejo?

Em tempos da minissérie da Globo com o sugestivo nome Felizes para sempre?, que ainda está no segundo episódio quando escrevo este texto, vale sempre a pena pensar e repensar nas relações humanas. O enredo mostra quatro casais - aparentemente saudáveis, felizes e bem-sucedidos - de uma mesma família, a família Drumond, com um tema em comum: relacionamento, claro! Afinal, o que move a humanidade desde os primórdios da civilização não é o amor? Mas, afinal, o que é amor? Quem inventou o amor? Provavelmente, Hollywood, pra vender filmes e seus acessórios. E a Rede Globo tem contribuído bastante nesse sentido!
Bom, segundo Freud, o ser humano é constituído de uma parte gigante chamada ID responsável tanto por nossa preservação (instintos de vida e de morte) quanto por nosso desejos - dos mais simples e explícitos aos mais sombrios e ocultos. E é essa estrutura que basicamente nos comanda. Desejo, logo existo. Mas onde colocar o desejo?

Uma outra parte dessa estrutura constituinte da psique humana, porém, é formada, desde que nascemos, por aquilo que chamamos de regras, leis, ou seja, aquilo que culturalmente vai nos dizer o que é certo ou errado. E aí, quando desejamos algo natural como o sexo, talvez o tenhamos de reprimir, caso a cultura em que nascemos nos diga que sexo é pecado, por exemplo. Por isso, apesar de bom (por ser da natureza humana) pode nos parecer ruim (por ser proibido pela mãe, pela religião etc). Quanto mais repressão, mais essa pulsão vai sair por outro lado. A violência pode ser uma expressão dessa libido reprimida. Estão aí nossos amigos islãmicos que não deixam mentir!

A pulsão sexual (que não é a mesma coisa que sexo, mas tem a ver com) faz parte do homem e da mulher, ou seja, o desejo (homo ou heterossexual) sempre vai existir e sempre vai se manifestar.

A civilização nos trouxe os freios. A começar que nos proibiu de desejar nossa mãe e nosso pai (embora recentes notícias na internet digam que esse tabu também já está indo pelo ralo da pia quando lemos que Menina de 18 anos se prepara para casar com o próprio pai), e apesar de nós os desejarmos inconscientemente quando criancinhas ainda no colo, à medida que fomos crescendo aprendemos a conter esse desejo que, depois de algum tempo, vai se direcionar para outros objetos (de desejo).

Fato é que a gente não sai transando por aí a torto e a direito. E quem o faz, é punido (pela sociedade). Esse freio é formado em parte pelo nosso Supereu e em parte pelo próprio Eu. A minissérie, parece, vai seguir por uma trilha parecida...casais descontentes com o status quo de suas relações procuram outras formas de satisfazer esse desejo que elas não sabem onde colocar! Ainda não sabemos em que direção a trama vai seguir: se do moralismo maniqueísta ou da liberalidade perversa, A conferir!

Daí que um casamento nos moldes dos dias atuais, em que as pessoas são livres para escolher seus parceiros, sempre começa pelo tesão, pela atração física, pela atração intelectual... E pode terminar exatamente por causa dessa mesma liberdade de escolha.

E o que fazer, me dirão os jovens recém-casados, se com o tempo a libido tende a diminuir?  Bom, ela pode ser deslocada para outras esferaa. Por isso é importante que o casal tenha sempre planos, projetos e sonhos em comum. É isso que vai manter a chama acesa por mais tempo. Se não houver esse cuidado...a libido pode ser projetada em outra pessoa???? Sim, com certeza...Aí, o bicho pode pegar. Ou não, parece que a humanidade está começando a achar que ter mais de um parceiro por vez não é assim tão condenável (na verdade isso sempre existiu só que ficava nos bastidores e agora está vindo para o palco da vida, de boa!).

Um casamento, ou um relacionamento íntimo e pessoal, só se mantém pelo compromisso de ambas as partes de permanecerem juntas uma com a outra, pois a pulsão pode mudar a todo momento de direção. E muda! Atire a primeira pedra quem nunca? querendo me enganar, é?

Se não houver compromisso....e se o SuperEu não for muito rígido...fatalmente relações múltiplas começarão a surgir e a relação, digamos oficial, pode balançar até  cair. 

Isso é bom? Ruim? Não dá pra afirmar nada! Porque cada pessoa vai lidar com isso do seu jeito! Não existe fórmula mágica. Talvez a fórmula seja cada um descobrir como lidar com o seu desejo, onde colocá-lo!

No consultório é comum a queixa feminina da diminuição do interesse sexual do parceiro tanto quanto é do lado masculino. Ou ainda mulheres e homens que, simplesmente não desejam mais seus parceiros sem uma razão aparente... São sinais de alerta importantes.

Mas casamento é só sexo? Bom, não é SÓ. Existem casais que decidiram não fazer sexo entre si, liberaram seus pares e, aparentemente, vivem felizes assim. Será? Se não há uma separação oficial, pode haver uma acomodação, um acordo de convivência...existem muito mais pessoas vivendo de aparência do que imagina nossa vã ignorância, meus caros!

De qualquer forma, se o casal procura ajuda, juntos ou individualmente, mas ambos (não adianta apenas um dos lados), as chances de se restabelecer (ou estabelecer, às vezes nem havia uma!) uma nova relação são muito maiores.

Se apenas um dos pares procura o auxílio da análise é bem provável que o casamento termine ainda que seja para esse par entender por que as coisas desandaram e talvez, quem sabe, desejar criar um novo vínculo com o par anterior ou com um novo. Por isso, o ideal é o casal, junto, buscar o entendimento.

E por que casamento é uma expressão da fantasia humana? Porque as pessoas, em pleno século 21, ainda se casam pensando que viverão um conto de fadas, o eterno "e viveram felizes para sempre"...e isso, definitivamente, não existe.

Porém, é possível, através de esforço e atenção permanentes, construir seu casamento, do jeito específico do casal, seja lá como os dois imaginam que seja satisfatório para os dois, dia após dia, juntos! Pode ser até com a participação de terceiros ou quartos...vai saber! Já comentamos aqui: o poliamor já é uma clara tendência. Só que não!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A virtude como ela é: sem graça, seca, triste e neurastênica

Quando assisto a um filme como Relatos Selvagens, dirigido por Damián Szifron e produzido por ninguém menos do que os irmãos Pedro e Agustín Almodóvar, penso que Nelson Rodrigues não morreu (aliás, Pedro Almodóvar deve ter lido ou visto Rodrigues em algum momento de sua vida tamanha semelhança dos seus argumentos eróticos passionais com os do brasileiro). Para quem não sabe quem é Nelson Rodrigues sugiro uma olhada breve no Wikipedia da vida, mas já adianto que uma biografia bacana desse gênio do jornalismo e da literatura contemporânea é O Anjo Pornográfico, de Ruy Castro.

O que há em comum entre o filme de 2013, estrelado por um elenco maravilhoso encabeçado por Ricardo Darín, e as histórias de NR, que viveu e escreveu sobre a sociedade provinciana das décadas de 50 e 60 do Rio de Janeiro?

Eu diria que quase tudo. A violência, a paixão exagerada, a raiva incontida, o medo, a impotência, o poder...o amor!

E o humor negro que os críticos acentuaram em Relatos e que provavelmente levou à morte os chargistas do Charlie Hebdo (o filme está repleto de ironias e sarcasmos também).

Um humor que de tão cruel (e cruel porque sem retoques, sem filtros) até nos faz rir, porque rir acaba sendo uma válvula de escape, uma catarse para a tensão tão bem conduzida em todos os episódios.

Nelson também costumava escrever pequenas historietas semanais que acabaram virando livros e minisséries da TV, anos mais tarde (A Vida Como ela É, da Globo, sucesso de audiência no tempo que a Globo possuía um padrão de qualidade), apresentando o ser humano com toda sua frágil e às vezes obscena humanidade.

Em Relatos um psicótico reúne seus desafetos num mesmo avião. Quem nunca desejou fazer isso? de brincadeira, nas rodinhas do café na firma, quantas vezes não dissemos que colocar toda a chefia num cargueiro rumo à Sibéria, sem direito a retorno, era uma boa ideia? que atire a primeira pedra!

Num outro momento dois motoristas vão às últimas consequências porque um provocou o outro na estrada, um mostrou o dedo para o outro, um mostrou poder antes da hora e na hora H amarelou....quem nunca?

Em outro, um pacato cidadão vira herói depois de explodir seu próprio carro num estacionamento de veículos guinchados. Quem nunca pensou em mandar pelos ares todo o aparato burocrático que nos atormenta a vida com multas, cobranças, impostos altíssimos e injustiças de toda ordem?

Um jovem playboy atropela uma mulher grávida e foge sem prestar socorro! Fato comum nas grandes cidades. A impunidade, o poder do dinheiro que aparentemente tudo resolve...

A justiça feita com as próprias mãos quando a vítima encontra seu algoz...

Enfim, o filme não questiona nem julga. É às vezes assustador, às vezes nojento, às vezes engraçado, ridículo ("porque a dor tem de ser necessariamente ridícula", diria Nelson). Mas nunca enfadonho ou cansativo. Nunca ideológico ou doutrinador.

Apenas nos mostra o ser humano exatamente como ele é: nem bom nem mau, nem certo nem errado; apenas humano.

Quem nunca pensou em resolver seus pequenos problemas cotidianos exatamente do mesmo modo que os terroristas do Estado Islâmico resolveram o deles matando os jornalistas do Charlie Hebdo que ousaram não ter medo de fazer valer o direito supremo à liberdade de expressão? 

Sim, está na mídia todos os dias: algumas pessoas fazem isso com os gatos da rua. Com mendigos, com prostitutas, com homossexuais, travestis, velhos, mulheres e crianças...

Traficantes eliminam seus maus pagadores à bala. Políticos corruptos não titubeiam em roubar o leite das criancinhas da creche, a pensão das viúvas, a aposentadoria dos velhinhos...

O filme aborda questões relacionadas a pessoas que atravessaram o limite de situações-limite quando todos os argumentos se esgotaram! Daí o nome. Selvagem porque deixadas levar por suas raivas mais atávicas, profundas, arraigadas, grudadas no coração feito limo antigo na pedra.

E o episódio que encerra o filme é bem mais a cara de Nelson Rodrigues, é verdade, por ser mais passional (bem passional!). Uma traição, claro, é o estopim de tudo! E o resultado da descoberta dessa traição....só vendo o filme, mas posso garantir que é bem rodriguiano o desfecho. O filme é tão bom que vale a pena ver até na fila do gargarejo (geralmente o pior lugar dos cinemas), como aconteceu comigo, que cheguei em cima da hora e encontrei os dois últimos lugares!

Agora, se você nunca viu a minissérie da Globo ou se quer refrescar sua memória clique no link a seguir e...divirta-se com o episódio Casal de Três, uma espécie de continuação do post anterior Porque só faço com você, só gosto com você, adivinha o quê!, que vai ensinar que "a virtude é triste, seca, amarga e neurastênica"! E que "a melhor esposa do mundo é a que trai o marido com metade do Rio de Janeiro" (teoria de Nelson Rodrigues, claro! por favor, sem julgamentos!)


Casal de Três 

Deixando o Rancor de Lado: Cultivando a Liberdade Interior

O   rancor é um sentimento negativo que pode prejudicar nossa saúde mental e nossos relacionamentos. Abaixo, apresento algumas estratégias ...