domingo, 23 de outubro de 2016

Menta com romã

Inspirada na Lei Maria da Penha, que completa 10 anos, e no sofrimento impossível de nomear das milhares de mulheres que são agredidas sob diversas formas, saiu o texto a seguir.

"Depois de espirrar o própolis sabor romã com menta na sua boca, Matilde engoliu a seco como sempre fizera.
Minutos antes de sentir a fisgada da inflamação na garganta, como se um anzol enganchasse nas suas amídalas, ela ouvira um "cala essa sua boca", que a pegou de surpresa, como um soco do boxeador no adversário distraído.
Não quis acreditar que aquele "cala a sua boca" tivesse sido desferido pelo seu preferido.
Melhor fingir que a grosseria fora desencadeada por absoluta falta de escolha mais adequada de palavras?
Mas Matilde se acostumara às grosserias. Todos os seus relacionamentos acabaram em violência verbal ou física. Essa maldita força demoníaca era invocada inconscientemente e arrastava tudo o que estava ao redor. Vivera assim, no olho do furacão.
Ela, Matilde sabia: vai começar tudo outra vez. Ela, de novo, se posicionava ali, no altar do sacrifício, pronta para a degola. Sabia que seria acusada de provocar a ira dos deuses e sentiria a culpa cotidiana. E pediria perdão por ser assim.
Essa era sua marca tatuada na alma. Enquanto o som do recente "cala essa sua boca" ardia ainda nos recantos do canal auditivo, Matilde pensava: esse não era um cala a boca qualquer.
Desta vez seria um "cala essa sua boca" definitivo. O primeiro e o último dessa relação tobogã.
Tinha gosto de ponto final sabor menta com romã." 


(Lady Lou - 23/10/2016)

domingo, 24 de abril de 2016

Essa sua canalhice

Não tem como. Hoje vou dar um fim em tudo. Essa sua miserável apatia me enlouquece.
Acendi um incenso pra ter pelo menos um cheiro bom no ar.
Coloquei mais açúcar na caipirinha pra ter um doce pra sentir.
Outro dia você me trouxe flores. Até chorei, lembra? Mas os chocolates....dei pro cachorro depois de saber das tantas outras presenteadas... Eu sei, você disse, você sempre diz: elas não importam.
Mas essa sua miserável inércia...
Não tem como. Hoje vou ter de dar um fim.
Liguei o ventilador pra ter mais ar.
Traguei a fumaça do charuto pra esquentar o peito vazio. Você deixa ele assim.
Naquele dia, você me deu o anel, lembra?
Eu te beijei por cinco minutos, boca, rosto, olhos, nariz... e você ria, ria... Estava feliz. Mas as cartas... dei pra reciclagem depois que encontrei as trocadas com tantas outras...
Eu sei. Você disse. Você sempre diz. Elas são nada!
Mas essa sua miserável presença...
Não tem como. Hoje vou ter de dar um basta.
Já deixei tudo pronto: martelo, cutelo, câmeras desligadas, as malas.
Quando você chegar com sua sedução eu vou te embriagar com aquele vinho, você sabe qual, aquele do encontro, o único que valeu a pena...por que pegaria um avião?...você disse, você sempre diz.
Tirei as crianças de casa e liguei o som.
Quando você dormir nos meus braços - sim, você vai adormecer feito um príncipe, como sempre, aninhado depois do amor, nos meus seios - nessa hora, vou dar um fim em tudo. Não tem como.
Essa sua miserável canalhice me excita.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Partiu maternidade

Há 30 anos nascia Iara. Iara foi concebida de propósito, de caso pensado. Parei de tomar pílula quando voltamos da "lua de mel" de Olinda/Recife/Salvador. Hoje eu entendo o que minha ex-chefe de redação quis dizer com "vocês não têm um lugar mais nobre para passar a lua de mel, em algum país da Europa, por exemplo?" E olha que ela era do "partidão", hein, e com essas ideias burguesas....Pois é dona Luzia, quase 30 anos depois eu estive na Europa, sozinha, sem marido pendurado, graças a essa menina fruto da abstinência anticoncepcional. Ela estava morando num dos países mais prósperos do Velho Continente e eu fui visitá-la. Se não tivesse jogado fora a cartelinha...nada de Suécia!
Eu era fértil, paca! Parei num dia, no outro, pimba! Mas apesar dos meus, apenas, 26 anos, foi uma gravidez de risco. Tive ameaça de aborto aos 5/6 meses e precisei ficar em repouso absoluto até o nono. Claro, que esse absoluto não foi tão absoluto assim, mas cheguei até o fim com o barrigão. Assim mesmo ela, apressadinha como sempre, nasceu sem completar as 38 semanas de praxe. Aliás, quase nasceu no táxi. Era domingo de Carnaval. Nada de celulares ou de whatsapps naquela época, meus caros. O obstetra me garantiu que não ia viajar. Mas não podia prever um parto num domingo folião. Então passamos o dia tentando localizá-lo.
Lotamos o pager dele de recados. Secretária eletrônica idem. Isso desde as dez da manhã quando as contrações começaram. No início não dei bola. Afinal, passei a maior parte do tempo com elas...até que a bolsa estourou. Pânico geral. Nada de encontrar o doutor. Quase 12 horas depois conseguimos contato. Estava no sítio da sogra. Me mandou correr para o hospital. Óbvio que correr era uma figura de linguagem. Eu mal conseguia parar em pé, mas também não conseguia parar sentada. Finalmente, "partiumaternidade".
A "corrida" não foi fácil. O táxi não era nenhum Uber, gente. Anos 80...era uma carroça qualquer. Todos os carros eram ruins se comparados aos que existem hoje. O que mudava era que os mais novos eram menos piores. Mas esse não era o caso daquele táxi. A sorte é que pelo menos o taxista era educado e cuidadoso ao dirigir, artigo raro nos dias atuais.
A Maternidade foi a São Paulo, na rua Frei Caneca. Na época, ainda uma rua classuda. 
Iara não esperou muito. Às 23h45 deu o ar da graça. Parto normal, sem dor, com peridural e tudo. Até hoje algumas pessoas se espantam: mas no século passado, parto normal com anestesia??? Oui, chérie. Meu médico era "prafentex" e tinha o mesmo nome de um dos autores da literatura brasileira que eu mais admiro e me inspiro: Nelson Rodrigues.
Parto normal é ótimo! Você sai andando serelepe assim que termina o efeito da anestesia. Sem dor, sem incômodos. O leite desce facinho e o bebê fica feliz. Você dorme tranquila - sem cortes - e acorda disposta.
Retoma rapidinho seu manequim anterior à gravidez e logo entra naquela calça jeans, justinha, azul e desbotada. Coloca seu rebento no carrinho e vai orgulhosa passear na pracinha ou no play. E faz o maior sucesso! Eu fiz!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Um circo de percalços falsos - Guia para a bibliotecária das galáxias

Capa do livro criada por Teo Adorno

Para você que lê e curte Repertório Feminino experimente o blog Um circo de percalços falsos - Guia para a bibliotecária das galáxias

https://umcircodepercalcosfalsos.wordpress.com/2016/01/26/xengo-delengo-tengo/

Trata-se de um projeto literário coletivo que nasceu dentro da Oficina Cultural Casa Mário de Andrade sob o coordenação do escritor Luiz Bras, que também participa com contos de sua autoria.
O projeto - uma coletânea de contos em torno de um tema comum, sobre o qual os autores se debruçaram, gira em torno de um universo fantástico, o nono andar da Biblioteca Mário de Andrade e as aventuras dos personagens Manu, a bibliotecária, e os demais - virou livro.
Enquanto o livro não vem, os autores criaram esse blog alimentado com outros contos do mesmo tema, mas que ficaram de fora do livro.
O mais interessante desse projeto é que o blog pode ser alimentado com contos de outros autores que não fazem parte originalmente do projeto, mas que identificados com a proposta de criação coletiva, ou mesmo com o tema da literatura fantástica, se sintam motivados a participar. Nesse caso, basta escrever o texto e submetê-lo para a editora, informação que pode ser facilmente encontrada no próprio blog.
Bom, chega de papo.
O bom mesmo é você ir correndo lá.
Xengo-delengo-tengo é de Lady Lou, meu alterego para o projeto.
Já temos quatro contos, além do texto de abertura, escrito por Luiz Bras, que explica muito melhor o que é o universo compartilhado, 
Boa degustação!

Pajelança das letras

Você que lê e curte Repertório Feminino, experimente também Pajelança das Letras.

http://aladylou.blogspot.com.br/

Tem outra pegada, mais literária, ainda que não tenha pretensão de, serve como um laboratório para meus escritos.
Te espero lá!

Deixando o Rancor de Lado: Cultivando a Liberdade Interior

O   rancor é um sentimento negativo que pode prejudicar nossa saúde mental e nossos relacionamentos. Abaixo, apresento algumas estratégias ...