quinta-feira, 1 de março de 2012

Culpa, medo e manipulação, como se libertar do jogo?

                É muito comum atendermos pessoas com sérios problemas no casamento que envolvem culpa, medo e manipulação. Um cliente, tempos atrás, tinha a seguinte queixa: já havia um certo tempo em que ele se sentia insatisfeito e acabou se envolvendo com outra mulher. O relacionamento extra conjugal veio à tona. A esposa descobriu tudo e muito sofrimento foi gerado. A princípio decidiram se separar. Passado certo tempo da separação conversaram e decidiram retomar o casamento. Ela falava que tentaria perdoar o ocorrido e ele afirmava que tudo seria diferente dali por diante já que dizia realmente gostar da sua esposa e se sentia culpado pelo sofrimento que havia causado.
                Entretanto, algo muito mais fundamental, que vai além do diálogo racional não foi cuidado até aquele momento: os sentimentos de raiva e mágoa da esposa e a culpa que ele sentia.
                Guardando ainda ressentimentos do marido, a esposa passou a exigir mais e mais dele no relacionamento. Demandava que ele abrisse mão de todas as suas vontades para satisfazer as dela. Era ao mesmo tempo uma forma de puni-lo e de exigir que ele provasse que a amava. Como ele carregava a culpa de tê-la feito sofrer no passado, não conseguir impor limites e cedia cada vez mais, para compensar o que tinha feito.
                Esse jogo de manipulação acabou dando origem a brigas e mais sofrimento. Embora os dois afirmassem que desejavam continuar casados, a situação ficava cada vez mais insustentável.
                Quem guarda raiva ou mágoa de outra pessoa será levado de forma inconsciente por esses sentimentos a querer se vingar. Isso pode vir na forma de manipulação como ocorria com este casal. Mas o jogo só funciona quando o outro lado se sente culpado e cede às manipulações como forma de tentar compensar a culpa. Ela remoía e alimentava a mágoa do marido, e ele, sem saber, estava também alimentando a mágoa dela ao manter o sentimento de culpa pois entrava no jogo da chantagem. A cada dia ficavam mais infelizes.
                O jogo de manipulação precisa das duas partes para sobreviver: um lado magoado e o outro lado que se sente culpado para ceder ao jogo. Só existia uma maneira para que ele saísse desse jogo. Ele precisava acabar completamente com todo o seu sentimento de culpa, assim conseguiria impor limites na relação. Isso acabaria sendo benéfico para os dois, pois ela passaria a respeitá-lo e o relacionamento certamente melhoraria.
                Depois de muitas sessões de terapia, ele apresentava sinais de que havia dissolvido o sentimento de culpa. Sugerimos que ele deveria conversar com a esposa, dizendo que entendia a responsabilidade do que ele havia feito e que estava consciente do sofrimento que havia causado. Mas mesmo assim, a partir daquele momento ele voltaria a ter seu espaço no relacionamento como tinha antes. E que se não fosse dessa forma, seria melhor realmente uma separação definitiva pois aquela situação só estava causando mais sofrimento para os dois lados.
                Surgiu então o medo de que isso o levasse a se separar. Esse é também um sentimento que dá grande margem para a manipulação. Afinal, a esposa era resistente a fazer análise, acreditava que o problemático da relação era apenas o marido já que era ela quem fazia terapia.
Ele tentou conversar com ela, expondo seus sentimentos.
                No início ela reagiu à nova postura e tentou fazê-lo novamente sentir culpa relembrando o sofrimento que ele havia lhe causado. Ele ouviu e voltou a afirmar que sabia da sua responsabilidade mas que viveria a vida daquele momento por diante, e que se ela não estivesse preparada, a separação era o único caminho. Ele recomeçou a impor os limites e ela de vez em quando ainda tentava puni-lo. Mas como não havia mais o sentimento de culpa ele não mais cedia, deixando de alimentar a mágoa da esposa. Isso pode parecer frieza para algumas pessoas, mas não se trata disso. É apenas uma forma madura, livre de negatividade, de lidar com uma situação difícil. Ele já havia anteriormente pedido perdão várias vezes, mas ela permanecia alimentando a mágoa.
O processo não é rápido. Mas, com perseverança é bem possível que o relacionamento se transforme e as brigas acabem.
                A culpa que sentimos serve para alimentar a raiva dos outros a quem fizemos ou achamos que fizemos algo de "errado". Quando nos livramos da culpa a mágoa do outro não mais consegue crescer  pois não há mais qualquer ganho secundário em mantê-la já que não é mais possível haver manipulação.
                Quando estamos nesse jogo, a única forma de conseguirmos nos libertar é liberando nossos sentimentos de culpa e medo, deixando o outro livre para se afastar se ele desejar. Mas o afastamento raramente vai ocorrer. Normalmente o que acontece é que nós paramos de alimentar uma relação doente e o outro lado fica também mais saudável e acaba se aproximando de uma forma muito melhor.
                Esse jogo também pode ocorrer entre pais e filhos. Uma mãe que abandonou a filha e depois tenta retomar a relação com ela será muito suscetível a ser manipulada se guardar sentimentos de culpa. A filha vai alimentar a sua mágoa jogando na cara o quanto sua mãe lhe fez sofrer. Com isso a mágoa cresce e a filha tem o poder de conseguir mais coisas desse relacionamento doente. No momento em que essa mãe se libertar da culpa pelo erro cometido e do medo que a filha se afaste, ela conseguirá se aproximar da filha com outra postura e não se deixará manipular. A filha a princípio irá tentar manter o jogo, mas não haverá o outro lado contribuindo. A tendência será então que haja uma reaproximação e melhora na qualidade do relacionamento.
                O processo também pode ocorrer dos filhos para os pais. Filhos de pais manipuladores carregam muitas culpas. Esse pais são mestres em criar esse sentimento nos filhos. Cobram de mais e fazem chantagem emocional. O filho se sente um devedor, que nunca atende às expectativas, e se sente culpado por não conseguir dar alegria aos pais. Movido pela culpa, vira uma presa fácil da manipulação, cria uma vida infeliz de escolhas para agradar o pais, e alimenta a mágoa insana deles. Curando sua culpa, conseguirá se libertar desse jogo, será mais respeitado e uma transformação para melhor ocorrerá no relacionamento.
                O manipulador, embora possa parecer que está ganhando algo, apenas alimenta o seu ego e cria sofrimento para si mesmo e para os outros. A satisfação em fazer o outro atender a sua vontade é apenas uma falsa satisfação que encobre mágoas e problemas de autoestima. Esse texto é importante para ajudar a identificar os dois papéis, assim é possível se libertar de qualquer um deles com mais facilidade. Sozinho é possível, mas muito mais demorado. Procure a ajuda de um profissional.


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