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sábado, 26 de julho de 2014

Corre, Dirce, corre

Dirce Maria vive correndo. 
Abriu o semáforo, corre para atravessar a rua; vence uma pista, ganha fôlego, encara a próxima. Vai correndo. 
Desce a ladeira, sobe a calçada, vira na esquina. Sempre correndo. 
Corre pra pegar o ônibus, corre pra fugir da chuva.
Vai, Dirce Maria, corre.
Corre, corre. Corre de quê?
Corre de quem?
Corre pra quem?
Levar os filhos na escola; depois tem de buscar. 
E a academia, o inglês, a natação?
Hidroginástica, feira, supermercado.
Dentista, ginecologista, cardiologista...psicanalista?
Lá vai, Dirce Maria.
Sempre correndo.
Correndo entra no metrô. Quer sentar? Não, fica porta pra sair mais rápido. 
Não pode parar. Está atrasada. 
Atende o filho, o marido, o chefe, a mãe, o pai.
Nem se olha direito na frente do espelho. 
Dirce Maria sai na rua com a blusa no avesso. 
Nem repara. 
Só corre. Socorre? 
Nem se olha, nem se vê, nem se enxerga. 
Nem sequer se sabe, se toca, se ouve.
Corre, corre, pra quê?
Corre, corre, por quê?

domingo, 27 de abril de 2014

O projeto narcísico de Deus

Quando lemos em Gênesis 1 - 26:"Deus disse: façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança (...)" estamos diante de um projeto que os pais têm em relação aos seus filhos, um desejo narcísico de que os filhos sejam sua imagem e semelhança.

Que pai não se orgulha quando ouve de alguém, ainda na maternidade, a célebre frase: é a cara do pai!? Não só por lhe confirmar a legítima paternidade, pois, como Freud dizia, a maternidade é certa, a paternidade, porém, é dúbia... que alívio ouvir a confirmação do Outro de que, sim, o filho é seu e é parecido com você, é à sua imagem e semelhança.

Quando a criança cresce o suficiente para perceber esse desejo do pai (e da mãe, porque ela faz parte desse projeto "o que eu quero que me filho seja"), ela começa a responder a esse desejo e surge então o ideal de eu: o que meus pais (e depois a sociedade) esperam que eu faça para ser amado (aceito)? e aí começam a surgir os conflitos pois o ideal de eu se contrapõe ao eu ideal, que se constitui narcisicamente ainda quando a libido está toda concentrada no próprio Eu, ainda bebê, naquele período quando a criança tira prazer de seu próprio corpo, que todo tocar é prazeroso, onde dedinhos de pés e mãos são uma farra, onde tudo que vai até a boca é um sucesso! Mamar, óbvio! é a glória! porque além de satisfazer o prazer físico que a sucção bucal provoca, aplaca a fome! e de quem é aquele seio enorme cheio de leite que satisfaz o bebê? ele não sabe, ele pensa que é dele! É meu! Sou eu! Tudo se confunde. 

Então, um dia, ele percebe que aquela fonte de prazer não está à sua disposição. O que fazer? CHORO!!!! GRITO!!! ESPERNEIO!!! FICO ROXO!!!! e  como num passe de mágica lá vem o seio novamente me dar prazer, sorri o bebê.

O pai, não percebeu, mas até aí, seu papel foi de coadjuvante. Um coadjuvante merecedor de Oscar, sim, mas para o bebê, não passa disso. É preciso que a mãe, - essa danada!!!! que transa com meu pai, mas deixa eu chupar o seio dela - diga ao bebê, mostre ao filho que o coadjuvante, na verdade, é o diretor do filme! é o cara de que manda, é o produtor, o provedor! ELE É O CARA! Pode espernear, chorar, ficar roxo, perder o fôlego, mas sEU PAI é o mEU HOMEM, é ele quem me dá prazer, é ele que me dá o falo dele para que possa ter o meu falo, que é você, meu filho (filha).

Oras, quando esses distintos papéis ficam estabelecidos e claros para o indivíduo, a passagem do processo narcísico primário (quando a criança pensa que o m
undo gira em torno dela) para o secundário (quando ela percebe que existe um terceiro na relação edípica dela com a mãe), ou seja, do narcisismo para o amor objetal, fica natural e sem o surgimento de neuroses mais graves.

Muito bem, tudo isso pra dizer o seguinte: qual é a nossa relação com essa entidade que chamamos Deus? Deus PAI! como o vemos? como o sentimos? como o imaginamos? Isso tem muito a ver com o que sentimos, imaginamos em relação ao nosso pai biológico ou a quem fez as vezes de, a função de.

Em qualquer uma das imagens de Pai - o divino ou o real - está implicado o que sua mãe lhe disse sobre seu pai. Ele é mesmo o cara ou é um banana? Quem manda é ele ou sua mãe? Sua mãe é manipuladora (daquelas que se orgulham de dizer: seu pai pensa que manda, mas na verdade ele sempre acaba fazendo o que eu quero; eu sei direitinho como dobrar seu pai, etc)?

Enfim, pense sobre isso e me diga: qual é o seu caso?

terça-feira, 11 de março de 2014

O apaixonamento


Que interessante! Este post estava na seção de rascunho há nem sei quanto tempo. Há muito tempo. Cliquei para ver o que eu teria escrito sobre o tema e a surpresa: estava em branco.

O que me chamou a atenção é que este termo, especificamente este termo, apaixonamento, foi mencionado durante a minha sessão de análise pessoal.Não posso revelar o contexto, é claro, mas sabe-se que o apaixonamento também faz parte do processo analítico.

E como nós, psicanalistas, sabemos que somos muito mais guiados pelo nosso sábio inconsciente do que imagina nossa vã consciência, me intrigou o tal apaixonamento. Ou eu estaria implicada?

Ainda não tenho as respostas.Mas não se preocupe. Caso você também esteja intrigado com algum possível apaixonamento que o esteja rondando como um fantasma, não se assuste. Talvez ele seja apenas a manifestação de um amor dirigido a vários alvos. 


Podemos nos apaixonar por nós mesmos, pelo outro, pelo trabalho, por um livro, pelo autor do livro, por uma música, uma poesia. Freud identifica esse apaixonamento como o depósito da libido em um objeto, associando-o a aspectos pulsionais que estão a serviço de um ideal perdido. Mais ou menos isso: quando nos apaixonamos, estamos desejando sentir aquele aconchego do colo materno, o prazer da proximidade do seio nutridor, enfim, aquele amor de mãe que nós achamos que é insubstituível e por estarmos assim iludidos navegamos pelas ondas das sensações físicas que a proximidade de outros corpos nos dá, imaginando, inconscientemente, que estamos novamente no embalo do primeiro colo. Sem falar que estamos projetando no outro aquela imagem positiva que temos de nós mesmos (e vice-versa), como fazíamos quando bebês e olhávamos no espelho e não nos reconhecíamos, mas pensávamos que se tratava de outra criança e dizíamos "bebê", na terceira pessoa.

E por nos equivocarmos assim, pensamos que nosso amado ou amada atenderá a todos as nossas carências sem nos darmos conta de que do outro lado também jaz um ser que, da mesma forma, deseja que nós atendamos a todas as usas carências. 


É mais ou menos como se colocássemos dois bebês de cinco a seis meses um ao lado do outro e ficássemos observando de longe. Enquanto estiverem bem alimentados e limpos estarão alegres, tranquilos, se divertindo, rindo, brincando com seus próprios dedinhos ou pezinhos. À medida que o tempo passa e a fome ou o desconforto da fralda molhada aumenta, eles passam a ficar irritados, choram e se desesperam porque um não pode fazer nada pelo outro. Quem vai salvá-los? A mãe.
Só que não. Num apaixonamento, pensamos que o outro é a mãe. Mas ele (ela) não é. É apenas outro bebê chorão.


Por isso os relacionamentos amorosos são tão complicados. Em geral, nos apaixonamos por nós mesmos pensando que é o outro. Quando descobrimos que o ele não sou eu e que o eu não sou ele, vem a decepção frases comuns do tipo: mas quando a gente começou (o namoro, casamento etc) ele era outra pessoa!!! Sim. Era você. Depois vem a fase mais triste e turbulenta que é quando ambos se esforçam para atender às necessidades do outro - como uma mãe faria - mas a luta é inglória! Os bebês são tiranos insaciáveis! Sempre querem mais e mais. E a insatisfação se instala na vida do casal. Ela reclama de um lado, ele sai batendo a porta de outro.


Como solucionar esse impasse? Se não podemos ou se não devemos desejar o outro como a uma mãe nutridora e provedora, mas ao mesmo tempo, segundo Freud estamos condenados a isso o tempo todo, como se dá, afinal o verdadeiro apaixonamento entre dois adultos e não entre dois bebês? Isso existe? É possível? Quem sabe?

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Uma dor de barriga é sinônimo de doença incurável????

Quando Freud pedia para se dizer qualquer coisa, sabia que não é o mesmo
 que pedir para dizer uma coisa qualquer.
Quando as pessoas se sentem organicamente doentes, ou seja, quando têm dores, mal-estares físicos em geral, correm para o médico ou para a farmácia com o objetivo de aliviar aquilo que as incomoda.

Muitas vezes comentam com seus pares, colegas de trabalho, vizinhos, membros da religião que frequenta. Falam de suas dores, de seus desconfortos...parecem não se envergonhar nem do calo do dedinho do pé, nem da enxaqueca e muito menos da fibromialgia. Aliás, às vezes têm-se a impressão de que até gostam de comentar sobre suas dores físicas que, claro, sempre são maiores do as dos seus ouvintes.

Então, por que será que essas mesmas pessoas que se entopem de analgésicos comprados até em supermercados, se recusam a procurar ajuda quando o mal-estar é psíquico ou emocional? Ou seja, quando esses mesmos pares que as ouvem pacientemente, lá um dia...se viram para elas e dizem: estou te achando meio deprê; ou estou te achando meio cheio de manias; ou, parece que você está deturpando o que as pessoas te falam; ou são mais objetivas: você não está bem e precisa de ajuda....

Por que nessa hora - quando alguém lhes diz que precisam de ajuda, que devem procurar um psicólogo, um terapeuta ou nos casos mais graves, um psiquiatra - as pessoas se ofendem?

Por que a reação mais comum é dizer: o quê???? você acha que estou louca?

Por que ainda hoje, apesar de tão divulgado sobre os benefícios de uma boa análise, uma boa terapia...por que, as pessoas acham que estão querendo dizer que elas estão loucas quando se sugere procurar a ajuda de um profissional da alma? 

Porque se essas mesmas pessoas  reclamam de uma dorzinha abdominal e alguém lhes diz para ir ao médico elas não respondem defensivamente: Você pensa que eu estou com câncer? Uma dor de barriga é sinônimo de doença incurável? Não necessariamente. Então, não necessariamente é louco todo aquele que, embora doente da alma, procura um analista, psicólogo ou psiquiatra!

Então, por qual motivo inconsciente e inconsistente, homens e mulheres fogem dos analistas, psicoterapeutas e terapeutas em geral como o diabo foge da cruz, como o vampiro foge do alho, como o lobisomem foge da bala de prata?

Bom, se não procurarem uma ajuda imediatamente nunca saberão!

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Ninguém segura esse rojão

Durante uma aula de teoria psicanalítica, alguém comentou sobre suicídio e a nossa professora disse que o suicídio é um ato falho do psicótico. Por que? perguntou alguém. E ela explicou que, de verdade, a pessoa não quer se matar. Mas aí, dá certo: Bingo! ato falho. Bom, pra quem não está acostumado com o linguajar psicanalítico atos falhos são coisas que se faz ou se fala "sem querer", mas que no fundo possui uma intenção inconsciente. Atos falhos são manifestações do nosso inconsciente. Por exemplo: você troca o nome de uma pessoa, tipo chama Ana de Maria porque vê em Ana algo de Maria. O problema é quando fazemos isso durante uma transa e chamamos o marido pelo nome do amante ou vice-versa, falamos o nome do marido quando estamos com o amante. Se isso acontecer, livre-se dos dois porque na verdade você está ou trocando seis por meia dúzia ou é masoquista e quer sofrer duplamente, enfim, ninguém tem nada a ver com isso, cada um faz o que quer, mas cá entre nós: quem acha o amante parecido com o marido ou vice-versa, precisa de um analista urgente, né, não?
Mas voltemos ao nosso suicida.
Então, segundo a teoria psicanalítica freudiana, a maioria dos suicidas são psicóticos. "Mas NEURÓTICOS TAMBÉM SE MATAM!", disse minha professora olhando pra mim!!!! Na hora falei: puxa isso dava um excelente nome de filme! e a sala despencou a rir. Tenho mania de chistes. Isso é outro "sintoma" da minha neurose e talvez tema para outro post. Aliás, dois sintomas: mania e chistes. Segue a aula: alguém disse, ou um livro! Sim, boa ideia, repliquei. Então, antes que a notícia se espalhe, já providenciei a troca do nome do meu blog de O Revelado e o Oculto, para Neuróticos também se matam, nome do meu próximo livro.
Por que neuróticos não costumam se matar? perguntará o leitor mais atento. Sim, não costumam se matar porque os neuróticos são neuróticos, entre outras razões, porque estão sempre cheios de dúvidas, de incertezas, por isso, dificilmente conseguem se matar. Eles gastam muita libido, que é a energia criativa e criadora (daí ser a energia sexual, como dizia o mestre Freud, afinal, que outra energia é mais criativa e criadora? fazemos outro ser humano com essa energia! somos quase deuses!!!!), discutindo consigo mesmos se devem ou não fazer isso ou aquilo, se fecharam as janelas na iminência de uma chuva, se trancaram de fato a porta da frente antes de dormir ou quando saem de casa (alguns voltam várias vezes para conferir), se estão vestidos adequadamente, se estão falando dele (tipo: por que a minha professora estava olhando justamente para mim quando disse aquela frase?) e assim vai. Os neuróticos são a maioria. Freud já havia percebido isso há mais de 200 anos.
Claro que as coisas não são assim tão simples. Estou brincando (chiste?) com algo sério. Que deve e precisa ser tratado de maneira séria. Mas que também pode ser olhado de uma forma mais branda e bem-humorada. Afinal, como dizia Chico Buarque
"Aqui na terra 'tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n' roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando, que também, sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão"...


Link: http://www.vagalume.com.br/chico-buarque/meu-caro-amigo.html#ixzz2QY2XB2Yg

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

FREUD E O LUCRO DOS SEUS NEGÓCIOS


Luiz Fernando Garcia
Neste post, dou espaço para Luiz Fernando Garcia que é especialista em psicodinâmica aplicada à gestão. Ele  reúne empresários de médio e grande porte e por meio de uma terapia em grupo ajuda-os a compreenderem e, com isso, alterarem seus comportamentos no dia a dia dos negócios.
 No artigo “Freud e o lucro dos seus negócios”, Luiz Fernando explica como o controle de alguns comportamentos _ presentes na rotina dos negócios  e também estudados por Freud – pode melhorar o desempenho de toda a empresa.




O que o famoso alemão Sigmund Freud tem a ver com o sucesso de empresários e seus empreendimentos? Muitas vezes, a reposta é simples: tudo. Entender os conceitos da Psicanálise e aplicá-los à prática do universo corporativo pode ser a solução para muitos homens e mulheres que não conseguem entender por que suas empresas não conseguem ter um bom desempenho.

Considerado por muitos como um dos grandes gênios dos séculos XIX e XX, Freud deixou um legado àqueles que buscam o entendimento da própria mente – fato este que, muitas vezes, não é almejado pelos donos de negócios. Sobre isso, vale dizer que um dos maiores desafios que enfrento no dia a dia com empresários é fazer com que entendam que a origem de problemas como baixos resultados financeiros pode não estar em estratégias, funcionários ou sócios. Em grande parte dos casos, o ponto-chave é a própria dinâmica mental desses executivos.

Ao se aproximarem dos conceitos do Pai da Psicanálise, homens e mulheres de negócios “desatam os nós” que possuem, e quase sempre passam a colher os frutos com o melhor desempenho de todos na empresa e, consequentemente, com o aumento dos lucros. Durante a convivência com mais de 1.200 empresários ao longo dos últimos 12 anos, busquei fazer com que entendessem os Mecanismos de Defesa da Psicanálise, algo constantemente presente no cotidiano corporativo.

Praticamente todos os empresários, inconscientemente, põem em prática esses mecanismos, o que prejudica – e muito – o desempenho dos negócios. Ao levar para a empresa um problema mal resolvido em casa, eles aplicam o que Freud chamou de Deslocamento e apenas transferem as preocupações de ambiente. Outro fator presente no comportamento dos donos de negócios é a Negação. Ou seja, eles deixam de enxergar determinado problema para realizar seu objetivo, por exemplo, um investimento arriscado. Mesmo que os números do relatório preparado pelo contador apontem que o momento não é propício para ampliar a fábrica ou fazer contratações, os empreendedores em estado de negação optam pelo caminho do “sei que vai dar certo” e correm até o risco de quebrar.

Além de negar o risco em uma negociação, o empresário, frequentemente, é “muito apaixonado” por seu negócio. Por conta disso, põe em prática a Idealização para justificar uma decisão, especialmente as que parecem não fazer sentido para o restante das pessoas. A chamada Projeção também é algo muito presente no ambiente empresarial. Esse Mecanismo de Defesa pode ser observado, por exemplo, em uma relação de sociedade, com a transferência de desejos ou conteúdos que estão em você ao outro – “ele vive viajando” e “ele vive com mulheres mais jovens” são frases que podem exemplificar esse tipo de atitude. Em linhas mais populares, poderíamos tratar esse último tópico como “uma inveja disfarçada pela visão crítica”, já que os defeitos dos outros são, na verdade, muitas vezes as virtudes que gostaríamos de ter.

Com o conhecimento dos conceitos da Psicanálise e a prática de algumas técnicas, esses comportamentos inconscientes são compreendidos e alterados. Ao mudar sua maneira de pensar, o empresário também passa a agir de forma diferente. Isso potencializa o desempenho de seus subordinados e acaba por ampliar os lucros nos negócios.

Luiz Fernando Garcia – Administrador de Empresas, criador da metodologia de Psicodinâmica em Negócios, formando em Psicanálise e responsável pelo desenvolvimento de mais de 50 metodologias de treinamento destinadas à capacitação de empresários e profissionais de liderança, com mais de 1.500 empresas atendidas em 30 mil horas de aplicação em estratégia de desenvolvimento.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Branca de Neve versão gótica em livro



Seguindo a onda das novas releituras dos contos de fadas, que trouxe novos filmes sobre velhas histórias, na nova versão do clássico Branca de Neve, lançado pela Geração Editorial, a heroína parece uma gótica e não leva desaforo pra casa

Os tempos são outros, e as crianças e jovens querem ver os personagens dos contos de fadas tradicionais sendo desmistificados, como na série de filmes de animação gráfica Shrek. Para deleite deles, esta nova edição do clássico Branca de Neve não poderia ser mais distante do desenho animado de Walt Disney para o cinema, lançado em 1937.

Esta versão, feita para os pré-adolescentes do século XXI, traz uma heroína que parece uma gótica, graças às ilustrações belíssimas, originais e perturbadoras da renomada artista Camille Rose Garcia. A rainha perversa, a segunda mulher mais bela depois de Branca de Neve, surge aqui como um monstro de quatro olhos. Até os doces animaizinhos da floresta são assustadores, e o Príncipe Encantado não parece particularmente viril.

Outro mérito desta luxuosa e inovadora edição — que traz o texto clássico dos Irmãos Grimm, publicado originalmente há quase 200 anos — é resgatar os aspectos mais sombrios da história que foram suprimidas da versão açucarada de Walt Disney. A rainha perversa tenta matar Branca de Neve não uma, mas quatro vezes. No final, Branca de Neve, na festa do seu casamento com o príncipe, vinga-se da madrasta, forçando-a a dançar com sapatos de ferro em brasa até morrer.

Sobre os autores:
Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) foram acadêmicos e linguistas alemães, célebres por terem popularizado muitos contos de fadas hoje clássicos, como João e Maria, Branca de Neve, Cinderela, Rapunzel, A Bela Adormecida e Chapeuzinho Vermelho (cuja nova versão também será lançada pela Geração).

Sobre a ilustradora:
As pinturas de CAMILLE ROSE GARCIA mostrando cartuns assustadores de crianças habitando contos de fadas em lugares selvagens são comentários críticos sobre o fracasso das utopias capitalistas, reunindo referências nostálgicas da cultura popularcom uma veia satírica sobre a sociedade moderna.  Seu trabalho foi apresentado em galerias e museus internacionais e impresso em numerosas revistas, incluindo Juxtapoz, Rolling Stone e Modern Painter.  É autora de vários livros e recentemente ilustrou uma nova versão de As Aventuras de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, que constou entre os livros mais vendidos de acordo com a listagem do New York Times.

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Branca de Neve
Autor: Irmãos Grimm
Tradutor: William Lagos
Ilustradora: Camille Rose Garcia
Gênero: Infantojuvenil
Formato: 14,3 x 21cm / capa dura
Peso: 320g
Págs: 80
ISBN: 9788581300795
Preço: R$ 26,00

Sinopse:
Originalmente surgida no folclore francês do século XVII, a história de Branca de Neve há muitos anos vem sendo um dos mais memoráveis contos infantis de todos os tempos, repetido durante gerações ao redor do mundo.
É a história de uma rainha maligna determinada a se livrar de uma menina – com a pele tão branca como a neve, os lábios tão vermelhos quanto o sangue e os cabelos negros de ébano – que ameaça o desejo da rainha de permanecer a mulher mais bela de seu reino.
Esta nova edição destinada a presentear as crianças modernas, apresenta a versão completa do conto dos Irmãos Grimm, com uma interpretação artística original da famosa ilustradora Camille Rose Garcia, que imaginativamente combina o humor com um toque tenebroso de romantismo.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

O outro é aquele que me diz quem eu sou.

Você deve conhecer um sem-número de pessoas que passam a maior parte do tempo delas criticando os outros. Do governo ao vizinho passando pelo chefe, colegas de trabalho e parentes.

São pessoas que, em geral, se preocupam muito com a vida dos outros e olham muito pouco pra si mesmas.

Estão sempre envolvidas com questiúnculas que, somadas, transformam suas vidas em verdadeiros infernos. São pessoas que lembram muito aquela figura do cão correndo atrás do próprio rabo, ou seja, não saem do lugar.

E por que criticamos o outro? Porque o outro é aquele que muitas vezes me diz quem eu sou.
E a minha fala sobre o outro revela, em parte, também o que eu penso sobre mim, que vejo refletido no outro. Aliás, existe até uma célebre frase de Freud: "Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo."

Quando ouço o outro falar de mim tenho de tentar entender o que ele fala de mim: é meu mesmo? Ou é dele projetado em mim.
Confuso?

Bem, a clínica psicanalítica pode ajudar nessa tarefa de prestar atenção no que o outro me revela, pois só reconheço no outro aquilo que existe em mim. E o outro só reconhece em mim aquilo que existe nele.

Muitas vezes as pessoas se assustam quando ouvem essa afirmação. E se revoltam. Num movimento natural de autodefesa, negam e repudiam qualquer tentativa de esclarecimento.
Obra de Picasso

Com frequência desdenham psicólogos, psicanalistas e gritam que não precisam de seus conselhos. No que eu concordo. Psicanalista não dá conselhos. Se o seu dá, fuja dele. 

Psicanalistas pontuam, ampliam a fala do analisando, podem interrogar, comparam a fala de hoje com a da sessão anterior, repetem palavras aparentemente ditas ao acaso...não julgam, não se antecipam, aguardam, respeitam silêncios, lágrimas e ausências.

O processo terapêutico, fase inicial da clínica psicanalítica, auxilia o indivíduo a perceber a si mesmo, a se conhecer e, se conhecendo, a se analisar, fase posterior e muito rica, pois é o próprio indivíduo que se descobre, através da fala de si mesmo e da fala do que ouve do outro e que ele traz para dentro do setting terapêutico; dos conteúdos oníricos trazidos na sessão, das lembranças de sua infância, de sua vida de uma forma em geral.

Então, dá próxima vez que se flagrar criticando alguém, olhe para dentro de si mesmo e tente perceber se esse conteúdo está presente também em você.



domingo, 6 de novembro de 2011

O complexo de inferioridade e superioridade

Alfred Adler (1870/1937), psicólogo austríaco.
O texto a seguir faz parte do acervo de estudos compilados por nossos professores no curso livre de Psicanálise com abordagem junguiana do qual faço parte. Aqui vamos conhecer um pouco sobre Adler, médico e filósofo que trabalhou com Freud e que, posteriormente, também rompeu com ele, por não concordar com sua abordagem limitada ao instinto sexual.
Trata-se de um texto bastante didático sobre dois dos complexos mais comuns que incomodam grande parte da população.
No final, um teste para você identificar se é um deles que tem guiado suas atitudes e comportamento ao longo da sua vida.
Caso a resposta seja positiva,não se preocupe. Você não pode mudar seu complexo, mas pode aprender a conviver com ele de maneira harmoniosa e produtiva por estar consciente. Inconsciente será conduzido por ele (complexo) como provavelmente tem acontecido até hoje.
Mas isso pode mudar. É só você querer. E uma boa terapia também ajuda.


Ambos os conceitos que serão desenvolvidos neste estudo são a parte principal da obra do psicólogo ALFRED ADLER, primeiro discípulo de FREUD e também o primeiro a romper com o mesmo, por discordância na supremacia do instinto sexual na modelagem da personalidade. ADLER achava que o complexo de inferioridade era algo intrínseco à natureza humana, justamente pela fragilidade da criança perante o ambiente que a circunda. Sua extrema dependência dos familiares e impossibilidade de várias coisas acarretavam dito complexo. Em contrapartida desenvolvia fantasias de superioridade para compensar tal situação desvantajosa. Essa trama ou binômio (inferioridade-superioridade) acompanhariam o indivíduo pelo resto de sua vida. Pretendo estudar tais complexos dentro de nossa atualidade e analisando os fenômenos sociais que os acompanham. 


O complexo de inferioridade nasce quando a criança percebe o simples fato de não ser o único objeto do amor, afeição ou cuidado de seus pais; seja por ter outros irmãos ou os pais darem atenção a outras tarefas; o ciúme e raiva se desenvolvem bem cedo na criança. ADLER inclusive achava determinante na formação da personalidade que posição a criança ocupava no quadro familiar (primogênito, caçula, filho do meio). A ruptura da condição de não ser única ou do narcisismo infantil traz como herança a comparação e competição que também nos acompanharão pelo resto de nossas vidas.


Inferioridade, disputa de poder e rivalidade formam um dos núcleos centrais da alma humana. Todas visam originalmente obter atenção e controle sobre um ambiente hostil ou desconhecido. Seria uma visão completamente equivocada e reducionista achar que tais fenômenos são apenas reproduções dos processos econômicos e sociais; muito pelo contrário, o desenvolvimento de tais instintos é que moldará uma personalidade que mais tarde se tornará ávida pelo poder ou dinheiro. De certa forma não haveria nenhum problema com a competição e disputa de poder se paralelamente se desenvolvesse o núcleo da solidariedade como ADLER apregoava. Quantos de nós carecemos daquela figura generosa que nos mostrasse que uma derrota não é de forma alguma uma humilhação de nosso íntimo. A ausência de tal instrutor já é o primeiro gerador do complexo de inferioridade, pois não houve treino ou acompanhante para o processo da perda.


A grande questão para o pleno desenvolvimento da autoestima é “regar” na criança determinada potencialidade que jamais se dissolva no processo social ou da opinião alheia, sendo a prova máxima da existência de alguma verdade atemporal carregada por um ser humano e no qual dará um uso mais amplo do que meramente um ganho pessoal. Esta é a precisa definição do que vem a ser a segurança pessoal. Pode se iniciar com um mero elogio dos pais perante uma habilidade do bebê, que no decorrer de sua formação irá entender plenamente sua tarefa e responsabilidade por ter algo especial. Mas, infelizmente as coisas não são tão fáceis. Muitas vezes o mestre mais duro em relação ao nosso dever não cumprido ou falta é a inveja. A mesma sempre nos lembra o incômodo de talvez o outro crescer mais rápido, trazendo agonia e angústia perante algo que começamos a desejar e negligenciamos no passado recente. A felicidade é um estado transitório de alienação e afastamento do complexo de inferioridade, e a infelicidade é a dura recordação da tarefa não cumprida exposta acima. O complexo de inferioridade coloca a questão de todo o nosso desenvolvimento nas diferentes etapas da vida perante a opinião alheia, máximo carrasco de nossa era, adquirindo hegemonia perante nossas ações e medos. Personagens são então criados para abafar toda esta ansiedade criada. O que não se tolera é que alguém descubra uma determinada compulsão pessoal que visa encobrir nosso espírito solitário. Inferioridade em todos os níveis é sinônimo de solidão, rejeição e exclusão.


A inferioridade mesclada com a solidão é não ter a companhia ou testemunho de alguém acerca de nossa capacidade de proporcionar êxtase, sendo que se desenvolve a convicção profunda de não termos nenhuma importância do ponto de vista pessoal. Solidão e inferioridade são uma poupança cruel ou economia forçada de afetos, também dizem do mais extremado medo de não ter uma pessoa que na convivência possa coibir nossos desequilíbrios. Inferioridade e solidão são o represamento do poder pessoal, dando uma mensagem incessante de que jamais poderemos utilizá-lo, acarretando uma espera agonizante para que alguém nos liberte desse drama. Inferioridade também é o ódio pela expectativa não cumprida. O próprio mecanismo da compensação já é por si mesmo o complexo de inferioridade; se utilizar algo ou alguma característica de ênfase pessoal para encobrir ou facilitar o que se percebe como difícil. Praticamente todos fazem isso, seja através da estética ou dinheiro, como exemplos. Aliás, estética por si só nunca foi sinônima de saúde, apenas um determinado modelo que se procura imitar. O sucesso tão almejado é o mais puro esconderijo de todas as frustrações, e a humanidade sempre encarou tal questão como um segredo, quando na verdade é o sentido da vida dentro da estrutura social de competição que se criou ao longo dos séculos. O sucesso sempre foi protegido ou blindado de sua verdadeira função ou análise, parecendo que é um tabu denegrir tão cobiçado conceito.


Inferioridade diz da imagem de um passado não resolvido, turbulento, que está plenamente ao lado de qualquer prazer ou potencial presente, anulando constantemente o mesmo. O real não é percebido firmemente, podendo ser invadido a qualquer momento pelos fantasmas dos infortúnios vivenciados. O medo instintivo do ser humano, que geneticamente serviu para o instinto de autopreservação se transforma em corriqueiras cargas energéticas de humilhação ou inferioridade para a pessoa em questão; é uma espécie de piloto automático que avisa o indivíduo que o perigo nunca passa, isto é a essência da fragilidade, sendo que a exacerbação do cuidado é o nódulo central de todas as fobias que acometem a mente. Mas porque isto acontece, qual sua origem na infância? Sem sombra de dúvida este pesadelo da inferioridade começou quando a criança percebeu em algum momento a morte ou perigo de aniquilamento de seu ego, disparando todas as cargas extras sensoriais, hormonais e psíquicas para tentar se proteger.


O resultado não é apenas o trauma, mas o hábito do stress literalmente, quando o assunto é se gostar. O complexo de superioridade é justamente o oposto disso tudo, não há a necessidade da preservação, sem limites para o gozo ou exercício do poder. O espaço é da pessoa por natureza, um monarca com o direito a derramar todo o seu potencial agressivo. Obviamente para o desenvolvimento de dito complexo, a criança desde cedo foi mimada ou reforçada em demasia em vários dos eventos nos quais participou, inflacionando a verdadeira dimensão de seu potencial, e consequentemente contribuindo para o prejuízo de seu senso de comunidade. Não precisamos ir muito longe para observarmos as crianças e jovens mimados de hoje em dia, verdadeiros tiranos que exploram a culpa dos pais, lhes forçando ao provimento de todos os seus caprichos materiais e pessoais. A competição desde cedo invade a mente e alma destes, sendo que não se enxerga o verdadeiro valor de outro ser humano, apenas utilizando o mesmo contra a solidão ou o pânico da exclusão. A solidão é também extremamente pesada em nossa época por colocar numa regra matemática as desvantagens e vantagens de tal fenômeno. O conceito soa um tanto estranho, mas o fato é que a mente não tolera uma resposta tão precisa de eventos emocionais. A fantasia e fabulação não deixam de ser mecanismos protetores contra a frustração real da afetividade não vivenciada. A solidão primeiramente fornece as vantagens das desobrigações para com o outro e o sentido da liberdade íntima, mas a seguir advém a agonia de saber que se está no mais puro isolamento que um ser humano pode suportar, afora a culpa corrosiva de achar que sempre afastou as pessoas ao seu redor.


Se desde cedo, percebemos o diminuto de nossa existência, é claro que os desejos de poder ou imortalidade ao menos na memória coletiva seriam as compensações. O narcisismo em voga na nossa sociedade é o exemplo máximo dessa tentativa de superioridade, ao contrário da pessoa que se sente inferior, não conseguindo descobrir ou atuar num ramo em que obteria a grandeza. Outro núcleo do complexo de inferioridade se estabelece quando a pessoa no transcorrer de sua vida perdeu quase que totalmente a capacidade para dizer um não. O ceder inicialmente corresponde à expectativa de uma futura gratidão por parte do outro. Mas quando não ocorre o que justifica a continuidade do comportamento nefasto para a pessoa? A resposta é o ódio disfarçado de uma mágoa constante visando cobrar o que lhe seria devido. Porém, tal processo pode se arrastar por anos e coibir completamente a autoestima do indivíduo. A dificuldade do não diz do tabu perante a agressividade e o ódio, elementos fundamentais que precisam ser elaborados em nossa existência. Para alguns atuar o não é desenvolver uma paranóia extrema perante uma retaliação que talvez seja até inexistente. Obviamente há uma ativação total do medo, sendo que a preocupação se torna dilacerante, preenchendo todos os espaços da mente. Isto é exatamente o oposto da chamada “paz de espírito”, e todos temem passar por tal agonia. A sensação de covardia se contradiz com o ter de reagir perante eventos que na maioria das vezes sabemos que são mais do que ínfimos.


Pensemos em um dos conceitos clássicos da psicologia que é a elaboração do luto. O mesmo teria a finalidade de um tempo para que a pessoa vivenciasse a experiência da dor ou perda. O que tal tese não percebe é a diferença radical entre luto e velório. O primeiro é extremamente tendencioso a uma continuidade destrutiva para a saúde psíquica do sujeito; já o velório é um processo de curta duração, sendo que a pessoa é obrigada a encarar frontalmente a perda. O tempo sempre é fundamental para evitar a sedimentação das sequelas emocionais que uma separação ou perda produzem.Uma separação sempre é igualada ao complexo de inferioridade não apenas pelo receio da crítica social, mas por se achar impossível novamente encontrar alguém que entenda a intimidade da pessoa. Tal fato sempre foi confundido como uma espécie de comodismo ou apego para o reinício de algo, não que tais fenômenos não ocorram, mas muitos se esquecem de analisar que o grande drama é perceber que uma nova ligação coloca sempre o desafio se a pessoa realmente é capaz de conquistar alguém. É engraçado e curioso como no terreno afetivo o ser humano exacerba o medo de perder, permitindo o desperdício do tempo.


A verdade é que em nossa atual sociedade já foram criados nódulos fixos do complexo de inferioridade: não conseguir lucro material, obesidade, solidão, ausência de amizades e exclusão social (entrando o racismo nas diferentes áreas). O dilema de toda pessoa é se a mesma pode vir a possuir algo que a princípio não seja mero fruto da pressão externa, mas que um dia seja reconhecida pela mesma de forma natural, assim sendo, isto seria realmente algo que preencheria o sujeito, e não todos os recalques que se carregam pelo medo da opinião alheia. A questão não é propriamente que tipo de inferioridade se abate sobre o sujeito, mas como irá enfrentá-la, com agressividade, tristeza, inconformismo, timidez. Todas o afastam plenamente da aceitação de sua pessoa. A timidez talvez seja a pior de todas, pois se criou um segredo quase que absoluto sobre a pessoa que não deseja dividir sua intimidade. A lei que passa a vigorar é encaixotar qualquer emoção mais profunda perante outro ser humano. O tímido jamais aceita fazer sua parte quando o assunto é se abrir para os relacionamentos em geral; abstendo-se de tudo, até da denúncia de um sistema que segrega, já que optou por tal modelo pessoal espontaneamente. Percebam mais uma vez que o problema da inferioridade é a proibição da criação no presente; tudo está amplamente ligado ao passado, devendo compensá-lo a todo instante. É quase uma suprema autorização mais do que abstrata para se poder viver, e que nunca chega.


A prática profissional me deu a certeza de que o problema do complexo de inferioridade ou neurose é quando não há mais a discriminação entre o “grande ou pequeno” dentro do esquema mental da pessoa, nivelando quase que toda a experiência pelo medo ou terror. É desnecessário dizer que tal prática deixa seqüelas quase que irreparáveis na socialização e humor do indivíduo. O esquema econômico oportunista inventou uma espécie de vacina para tal moléstia; o consumo. Este parece ser a única cura para quem sofre de algum transtorno com sua autoestima; novamente nivelando ou dando a fuga para todos os males da personalidade. É óbvio que algo ou alguém iriam desenvolver um projeto de lucro ou ganho em cima do sofrimento psicológico; a história da humanidade é prova viva de tal prática. O problema é que tal assunto é apenas encarado de forma ideológica, sendo que a essência não é a fuga citada para o consumo, mas, quais consequências irão surgir ao longo do tempo para quem aceita o suborno material para o que não consegue lidar? O sistema criou caricaturas de pessoas consumistas com altas doses de infelicidade (madames, crianças mimadas), quando na verdade todos aguardam a oportunidade de recorrer a tal expediente. O dinheiro há muito tempo não é apenas o seguro contra a privação, sendo a garantia máxima de adiar o confronto contra o balanço pessoal sobre se a pessoa obteve satisfação, plenitude ou ansiedade e desgraça.


FREUD acreditava que o núcleo da neurose era a compulsão para a repetição, um evento mórbido que tinha a característica de repetir diversas vezes o mesmo trauma até uma possível tentativa de assimilá-lo. Além dessa questão indiscutível do ponto de vista técnico, tal fenômeno quando ocorre inicia uma espécie de jogo econômico no plano mental, poupando o sonho ou prazer almejado pelo indivíduo. Isto visa ampliar de forma indireta a experiência do prazer; se concentrar em eventos passados é um disfarce para o tédio que a curta duração da satisfação proporciona, é como conquistar um troféu e apenas esperar pelo próximo, sendo o centro total da ansiedade. A sexualidade não tem a primazia por sua questão de prazer propriamente dita, mas, exatamente pela extrema finitude e curta duração do ato do gozo. O tempo sempre foi e será o centro de toda dimensão e complexidade psicológica, sendo o último complexo, podendo passar por liberdade, sofrimento, confinamento, alívio, dentre outros. O indivíduo que não aceita tal desapego citado acaba adiando sua busca pessoal de satisfação, não percebendo que a cada dia se afasta mais de seus objetivos. Não precisamos ir muito longe para vermos diversos exemplos em nossa sociedade, à busca da perfeição em um parceiro ou companheiro afetivo e sexual, tornando a pessoa arredia e isolada neste terreno. É um tanto estranho que uma sociedade tão consumista e hedonista não consiga efetivamente gastar ou vivenciar o prazer em sua plenitude, exatamente pelo conflito do tempo citado. O mesmo jamais será uma mercadoria, pelo contrário, nosso juiz máximo para o autoconhecimento ou horror da perda.


Seja a passividade de alguém tentando agradar a todos, para se evitar o tormento do conflito, ou a pessoa que faz deste último sua meta de vida, o problema da rejeição está intimamente relacionado ao complexo de inferioridade. O próprio fenômeno do amor não deixa de ser uma tentativa de cura para tal pesadelo de nossa alma. A rejeição também está relacionada à dificuldade de se lidar com o problema do erro. Pessoas que não conseguem lidar com o mesmo, encaram tal fenômeno como único, sendo que talvez não terão mais oportunidades de reparo ou outras chances de reconhecimento; é como se no decorrer do desenvolvimento o lado afetivo fosse uma espécie de um teste de emprego, ou se consegue o cargo ou se está totalmente excluído, sendo que o amor dos pais é visto nesta perspectiva de não ter aproveitado a ocasião. O centro máximo da psicologia na atualidade passa também pela temática do apego. O grande malefício do mesmo é quando cada ser humano faz uma leitura do medo da perda de algo que lhe trouxe felicidade ou satisfação, quando na verdade tudo pode não passar de um núcleo de comportamento vicioso, obstruindo novos caminhos. Obviamente que o conforto, materialismo e raciocínio de segurança de nossa era amplificam tal questão: boa conta bancária como seguro contra a miséria, casamento ou relacionamento para afastar a solidão, dentre outros.


A tentativa de perpetuação com certeza nunca foi o melhor caminho para a saúde psicológica. Porém, sejamos francos, nenhum ser humano em nossa sociedade conseguiu viver outro modelo. A posse enseja a loucura da perda e recomeço, como disse acima, e quem não possui vive o dilema do desejo, que se torna também loucura por ter de vivenciar uma paciência que parece que nunca traz o objeto almejado. Sendo assim, o desejo acaba por ser algo dilacerante, que corrói e transmuta negativamente sua própria origem e finalidade. Então estamos falando da mais pura ilusão, sendo que todo esforço é para compensar medos irreais que quase nunca conseguimos trabalhar, mas que afetam totalmente nossa vida diária. Se a realidade então supre uma necessidade inconsciente quase que fantasmagórica, parece que se vive no limbo, ou talvez isto seja a resposta de todo o nosso fracasso no âmbito pessoal e social. O problema do dinheiro não é sua retenção ou alguém se tornar perdulário, mas assim como o sexo e afetividade, quando se usam tais instrumentos para encobrir o medo da impermanência citada anteriormente. É um mito um tanto tolo achar que o trabalho teria um sentido de expulsão do paraíso, quando na verdade também é usado para encobrir várias angústias existenciais, e este é sempre o problema ontológico, em qualquer direção que seguimos, percebermos a finitude.


A superação do complexo de inferioridade passa por um aspecto na correta efetivação do que chamo de “contabilidade emocional”. O que determinada pessoa recebeu de afeto versus o que pode doar sempre são excludentes, ao contrário do que quase todos pensam. A prova disso é que se a fórmula fosse igual, a pessoa mimada teria necessariamente de doar amplamente, fato que nunca ocorre. Este é o ponto nevrálgico de libertação, pois o que se possui internamente jamais provém apenas do reforço, mas de uma habilidade de reconhecer sua potencialidade. Pensemos no indivíduo que não para de chorar diante da angústia de sua história de vida, paralelamente ao desprezo de outro perante sua suposta fartura emocional (o mimado citado). A cura final é o ponto onde se desperta o prazer, sendo que deve ser um fenômeno da mais pura meditação pessoal, sem qualquer interferência da ditadura da opinião alheia. Mas alguns irão questionar se a descoberta da potencialidade não depende do reforço de outro? Jamais, apenas a conscientização de uma avareza daquele que podia ajudar ou doar e não o fez, assim como enxergar seu histórico de se sentir totalmente privado de algo.


Outro conceito importante para a superação da inferioridade é perceber a semelhança entre o ato do amor e a própria evolução da pessoa. Ambos têm sua junção na percepção do que cada pessoa ao seu redor pode fazer ou não no preenchimento das necessidades afetivas de ambos, tarefa muito mais profícua do que a perda de tempo no sofrimento da expectativa da transformação do outro. A intuição sempre nos alerta de que a insistência já é por si mesma uma mensagem do não retorno daquilo que se almeja. Amar também é abandonar a tempo um sujeito incapacitado para a arte da troca, evitando a cristalização de sequelas quase que irreversíveis para a saúde afetiva. Isto seria o mais puro uso correto do que podemos chamar de sensibilidade, ao contrário das pessoas que a utilizam apenas na arte da superstição ou no desenvolvimento da angústia ou sintomas. Devemos estar extremamente atentos ao manejo daquilo que sonhamos e ainda não o obtemos. Estar sempre de sentinela perante o desejo não cumprido em nada garante a sua consecução. Lembro-me de um sonho de um paciente onde no mesmo sonhava que estava para ser enterrado vivo, por uma outra pessoa desprezível do ponto de vista estético e higiênico; tentava ganhar tempo a todo custo, para ver se fugia; na sequência fora transportado para uma outra cena onde conhecia uma mulher que lhe proporcionou o mais intenso e puro momento de felicidade. O inconsciente é a total dualidade, o embate constante de opostos, assim sendo, permanecer fixado apenas no desejo ou só num determinado caminho, sem a percepção de outros processos não garante nenhum êxito como disse acima.


Cada época expressa de forma singular suas idiossincrasias e medos. Nossa era reúne dois núcleos centrais na inferioridade, e que são causadores dos mais graves distúrbios de personalidade: a exclusão sócio-econômica e o abandono afetivo. O receio das pessoas perante estas duas áreas é claríssimo, porém o que ninguém ousa tocar é a natureza de tais fenômenos. É impressionante como ambos são os causadores máximos de vários distúrbios psicossomáticos, e obviamente ninguém deseja passar por tal infortúnio. Além disso, outro ponto de extremo pesar é quando sentimos aquela tristeza contagiante de outra pessoa, e sem sabermos a razão, nosso humor e talvez aquilo que se chame de sorte foi completamente tirado de nós. Seria isto a pura energia negativa? Diria que afora o misticismo, tais acontecimentos negativos têm a capacidade de ativação de nosso lado destrutivo que tanto tentamos abafar ou negar, e por mais que tentemos a negação, sabemos intrinsecamente que qualquer malefício sempre está perto de nossa vida. Mas enfim, como aprender a se gostar com todas as armadilhas citadas no texto? Diria primeiramente que deveria haver uma espécie de equilíbrio entre as exigências estéticas e sociais do meio com os aspectos da personalidade do sujeito, sendo que o mesmo aprenderia a investir no externo e interno, este último possui uma defasagem descabida em nossos dias.


Muitos atrelam seu valor a outra pessoa, uma espécie de “salvador”, para que o mesmo tenha a função de ratificar as potencialidades da pessoa em déficit. Sem dúvida alguma vivemos em sociedade e pouca coisa possui valor na solidão e isolamento. Mas no assunto da autoestima deveria haver uma quebra momentânea, sem aquele cunho neurótico ou esquizofrênico, onde a pessoa em determinado ponto percebesse seu aspecto pessoal de genialidade e capacidade, seja na área sexual, companhia, inteligência ou estímulo e vontade para a mudança. O “se gostar” é amplamente diferente do êxtase de uma felicidade momentânea ou a satisfação de um sonho tão cobiçado, o problema é que a maioria confunde estes setores, se diminuindo e tocando ao longo da vida um projeto de segurança, que nada mais é do que o sinônimo máximo da mediocridade. O ápice da escravidão moderna é a loucura da dependência em todas as áreas: drogas, opinião alheia, companheiro (a), dinheiro, receio de perder o que se conquistou, ou as coisas que nos distraem. 


O stress é a conspiração diária da ansiedade e desejo irreal de segurança, nos transportando para um mundo ilusório dentro da curta realidade de nossa vida. 


Por fim, segue um teste dinâmico, acerca dos fatores históricos que causam a inferioridade, que deve ser feito preferencialmente conjuntamente com um terapeuta profissional que tenha ciência da junção entre conflitos psíquicos e esquema social.


Teste sobre o complexo de inferioridade e superioridade:


“Qualquer teste só é válido para uma reflexão pessoal, e não confiar a algo estático um juízo de valor para nossa personalidade”.


1)No decorrer de seu desenvolvimento foi estimulado ou sempre motivo de ironia ou gozação?


2)Lembrar de todos os apelidos que teve e as razões que as pessoas tiveram para os imputar.


3)Quando as lembranças mais agradáveis da infância se dissiparam? Sentiu que conseguiu a satisfação sobre tal período, ou o tempo de felicidade foi extremamente curto?(pergunta fundamental que investiga toda a fantasia e tendência a um saudosismo irreal, fazendo com que a pessoa veja a trajetória de sua carência e falta de oportunidade para vivenciar o prazer, esta pergunta ainda dá pistas sobre como a pessoa não se dá à oportunidade para resolver ou aproveitar aquilo que sempre desejou)


4)Como sempre sentiu a conversa com os pais?(convidativa ou com um tom de reprovação?)


5)Qual a área que sua família priorizou?(material, disciplinar, prazer e amizade entre seus membros? Notem que quanto mais envelhecemos observamos o que mais faltou em nosso meio)




6)História de seu rendimento escolar (destaque, mediano, abaixo da média, sendo que sempre lhe cobraram a mais do que conseguia?)


7)A história de suas relações afetiva e sexual (acabaram como? Em total discórdia, se preservou algo? - pergunta fundamental para se obter onde repousa o núcleo da afetividade; no ódio, agressividade, lamentação dentre outros)




8)Como sempre trabalhou o aspecto da rejeição? (com imensa dose de angústia, desespero, ou procurou refletir o porquê de a pessoa ou situação darem errados? Sentia que sempre poderia encontrar outra pessoa, ou seu apego dava a noção de ser a última oportunidade de sua vida?)


9)Que tipo de homem ou mulher fantasiou desde a adolescência?(aspectos estéticos, fama, poder, procure refletir sinceramente quais foram às influências que motivaram tais conteúdos)


10)Na área histórica do trabalho como sente que foi sua atitude emocional (paranoia, conflito, sensação de incapacidade, atenuador de discussões ou seguro de si mesmo)?


11)Qual a tônica de seus relacionamentos em geral?(disputa, rebeldia, passividade, paternalismo, indiferença?)


12) Excetuando perdas de familiares, qual foi à vivência mais triste de sua vida? (Não confundir com dificuldades cotidianas; o objetivo é localizar determinado fenômeno que deixou sequelas.)


13) Conseguiu avançar no tocante à amargura de determinado desejo não realizado? E sobre a inveja perante os outros, como sempre lidou com tal questão? Parou para analisar o incômodo de tal sentimento quando ocorreu, ou tentou apenas esquecer o acontecimento?


14) Quais foram os acontecimentos que mais lhe proporcionaram arrependimento? O que houve? Demora na ação ou resposta, timidez? (o arrependimento deve ser encarado como uma pista de algum bloqueio ou sabotagem perante algum desejo nosso; pois quando se encontra ao alcance, muitas vezes se desenvolve um mecanismo de medo ou temor perante os mesmos. Devemos refletir que o problema não é ter perdido algo, mas, quanto de possibilidade e motivação nos resta para a continuidade de nossas metas.)


15) Se tivesse que fazer um balanço de situações de sofrimento, quais das mesmas efetivamente lhe causaram prejuízo, e quantas não foram valorizadas simplesmente pelo medo da exclusão ou repetição de algo? (novamente insisto na dimensão da mistura do grande e pequeno, e o nível de tolerância de uma pessoa, sendo que o resultado para alguns é um imenso desperdício não apenas de seu humor, mas, da motivação que sempre é subtraída pela preocupação).


16) Consegue analisar o tamanho de sua insegurança ou ciúme? Pensar nas situações de descontrole, exemplo: ligar desesperadamente diversas vezes para uma pessoa, a insistência carregada de ódio modifica algo? Forçar a continuidade é prova de nosso poder pessoal? A insistência não seria também uma prévia de uma futura ruptura?


17) Na questão do sono, qual a essência corriqueira de seus sonhos ou pesadelos? Caso os temas sejam recorrentes, quando começaram? Se há insônia, consegue visualizar o motivo, ansiedade, depressão, falta de iniciativa durante o dia para pensar ou perceber como poderia resolver seus conflitos?


18) Que tipo de prazeres estariam ao seu alcance, mas, que simplesmente você trava na hora de os executar? Sua tentativa de disciplina interna apenas segue o comando da opinião alheia?


19) Quanto tempo calcula que levará para resolver ou alcançar as reais metas de sua vida? Por que não as efetuou até o momento?


20) Como encara qualquer tipo de ajuda, seja psicológica, familiar, com orgulho? Com naturalidade? (pergunta fundamental para se iniciar o processo de mudança, pois pessoas com grande soma de inferioridade resistem à qualquer tipo de intervenção externa).


21) Qual o peso que carrega pela falta de investimento naquela área que seria prioritária para sua satisfação pessoal, mas, que por indolência e resistência não o fez? (a pergunta mais importante, pois dá uma dimensão da falta de sentido da vida de determinado sujeito que apenas segue modelos, obstruindo sua criatividade).


Fonte: ADLER, ALFRED. "O CARÁTER NEURÓTICO". BUENOS AIRES, EDITORA PAIDÓS, 1912

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