domingo, 15 de novembro de 2015

Freud explica por que não suportamos mais tanta violência

Foto by CHRISTIAN HARTMANN (REUTERS)
No início dos anos 1930, o Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual foi orientado pelo Comitê Permanente para a Literatura e as Artes da Liga das Nações a promover trocas de correspondências entre intelectuais de renome abordando temas de interesse geral. Foi assim que Einstein foi convidado a escrever uma carta para alguém e ele escolheu Freud como seu interlocutor.

Dessa troca nasceu um dos textos mais bonitos de Freud. Sob o título Por que a guerra? (Warum Krieg?), resumidamente, Einstein indaga a Freud "se seria possível controlar a evolução da mente do homem, de modo a torná-lo à prova das psicoses do ódio e da destrutividade?"

Freud precisou de mais de 10 páginas para responder à questão do físico alemão, nas quais ele fala sobre a trajetória da violência na humanidade, entre outras coisas, mas principalmente sobre ser uma ilusão desejarmos um mundo como o sonhado por John Lennon em Imagine.

Vou transcrever alguns trechos da carta, porque entendo que têm tudo a ver com o atentado de Paris e com todos os outros atentados à vida de um modo geral. Mas recomendo que quem tiver interesse, leia-o na íntegra porque, além de bonito, nos ajuda a entender porque não suportamos mais tanta violência. (o texto pode ser encontrado no volume 22 das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. da Imago)

O poder dos grupos ideológicos
"Uma comunidade se mantém unida por duas coisas: a força coercitiva da violência e os vínculos emocionais (identificações é o nome técnico) entre seus membros. Se estiver ausente um dos fatores, é possível que a comunidade se mantenha ainda pelo outro fator. As ideias a que se faz o apelo só podem, naturalmente, ter importância se exprimirem afinidades importantes entre os membros, e pode-se perguntar quanta força essas ideias podem exercer". Me parece que este trecho tem tudo a ver com o Estado Islâmico, mas igualmente com outros grupamentos como torcidas uniformizadas, partidos políticos etc.

Por que escolhemos a violência
(...)"quando os seres humanos são incitados à guerra, podem ter toda uma gama de motivos para se deixarem levar - uns nobres, outros vis, alguns francamente declarados, outros jamais mencionados. Não há por que enumerá-losa todos. Entre eles está certamente o desejo da agressão e destruição: as incontáveis crueldades que encontramos na história e em nossa vida de todos os dias atestam a sua existência e a sua força (...) quando lemos sobre as atrocidades do passado, amiúde é como se os motivos idealistas servissem apenas de desculpa para os desejos destrutivos(...)." Nada mais atual, não?

Sociedades sem violência
(...)" de nada vale tentar eliminar as inclinações agressivas dos homens. Segundo se nos conta, em determinadas regiões privilegiadas da Terra, onde a natureza provê em abundância tudo o que é necessário ao homem, existem povos cuja vida transcorre em meio à tranquilidade, povos que não conhecem nem a coerção nem a agressão. Dificilmente posso acreditar nisso, e me agradaria saber mais a respeito de coisas tão afortunadas. Também os bolcheviques (e todo tipo de comunistas, socialistas, esquerdistas e radicais afins) esperam ser capazes de fazer a agressividade humana desaparecer mediante a garantia de satisfação de todas as necessidades materiais e o estabelecimento da igualdade, em outros aspectos, entre todos os membros da comunidade. Isto, na minha opinião, é uma ilusão. Eles próprios, hoje em dia, estão armados da maneira mais cautelosa, e o método não menos importante que empregam para manter juntos os seus adeptos é o ódio contra qualquer pessoa além de suas fronteiras.(...)" Qualquer semelhança com situações mais contemporâneas não é mero acaso. Ah! O itálico entre parênteses é meu!

Faça amor, não faça a guerra
"Se o desejo de aderir à guerra é um efeito do instinto destrutivo, a recomendação mais evidente será contrapor-lhe o seu antagonista, Eros. Tudo o favorece o estreitamento dos vínculos emocionais entre os homens deve atuar contra a guerra. (...) a psicanálise não tem motivo porque se envergonhar se nesse ponto falar de amor, pois a própria religião emprega as mesmas palavras: 'Ama a teu próximo como a ti mesmo'. Isto, todavia, é mais facilmente dito do que praticado. O segundo vínculo emocional é o que utiliza a identificação. Tudo o que leva os homens a compartilhar de interesses importantes produz essa comunhão de sentimento, essas identificações. E a estrutura da sociedade humana se baseia nelas, em grande escala."

Líderes e liderados
(...)"um exemplo da desigualdade inata e irremovível dos homens é sua tendência a se classificarem em dois tipos, o dos líderes e o dos liderados. Estes últimos constituem a vasta maioria; têm necessidade de uma autoridade que tome decisões por eles e à qual, na sua maioria, devotam uma submissão ilimitada. Isso sugere que se deva dar mais atenção do que até hoje se tem dado, à educação da camada superior dos homens dotados de mentalidade independente, não passível de intimidação e desejos de manter-se fiel á verdade, cuja preocupação seja a de dirigir as massas dependentes."

Por que nos revoltamos contra a guerra?
(...)" porque toda pessoa tem o direito à sua própria vida, porque a guerra põe um término a vidas plenas de esperanças, porque conduz os homens individualmente a situações humilhantes, porque os compele, contra a sua vontade, a matar outros homens e porque destrói objetos materiais preciosos, produzidos pelo trabalho da humanidade.(...) Penso que a principal razão por que nos rebelamos contra a guerra é que não podemos fazer outra coisa. Somos pacifistas porque somos obrigados a sê-lo, por motivos orgânicos, básicos. E sendo assim, temos dificuldade em encontrar argumentos que justifiquem nossa atitude."

Quanto mais civilizado menos propenso à guerra
"Durante períodos de tempo incalculáveis, a humanidade tem passado por um processo de evolução cultural ((...) 'civilização'). É a esse processo que devemos o melhor daquilo que nos tornamos, bem como uma boa parte daquilo de que padecemos. (...) As modificações psíquicas que acompanham o processo de civilização são notórias e inequívocas. Consistem num progressivo deslocamento dos fins instintuais e numa limitação imposta aos impulsos instintuais. Sensações que para os nossos ancestrais eram agradáveis, tornaram-se indiferentes ou até mesmo intoleráveis para nós; há motivos orgânicos para as modificações em nossos ideais éticos e estéticos. Dentre as características psicológicas da civilização, duas aparecem como as mais importantes: o fortalecimentos do intelecto, que está começando a governar a vida instintual, e a internalização dos impulsos agressivos com todas as suas consequentes vantagens e perigos. Ora, a guerra se constitui na mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi incutida pelo processo de civilização, e por esse motivo não podemos evitar de nos rebelar contra ela; simplesmente não podemos mais nos conformar com ela. Isto não é apenas um repúdio intelectual e emocional; nós os pacifistas, temos uma intolerância constitucional à guerra, digamos, uma idiossincrasia exacerbada no mais alto grau. Realmente parece que o rebaixamento dos padrões estéticos na guerra desempenha um papel dificilmente menor em nossa revolta do que as suas crueldades. (...) E quanto tempo teremos de esperar até que o restante da humanidade também se torne pacifista? Não há como dizê-lo. (...) Mas uma coisa podemos dizer: tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra."



quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Coração albergue



não precisa entender tanto faz a ordem quando olho pra esses jardins ensimesmados minha vontade é despedaçar palavras cortar em várias partes esquartejar e fazer você engolir fração por fração até ser um inteiro completo desse amor fragmentado que eu teimo em cultivar todos os dias desde sempre desde quando nem havia a luz nem o verbo e se fez a dor que só os poetas entendem e você teima em dizer não existe é coisa do imaginário mas a minha é palpável é sanguinolenta malcheirosa putrefata e está à deriva à tona descoberta e você ignora ou finge e nessa hora salto no abismo desse desejo hermético obscuro inerte como as estrelas já mortas do universo vomitando os excrementos da saudade do seu toque nessa distância de anos luz que faz do nosso amor o mais antigo que invadiu meu coração quando me apaixonei pelas palavras não ditas pelas entrelinhas pelos escaninhos do tempo meu querido meu amigo desde sempre desde antes da criação do cosmos vou te amar aqui e morar em seu coração albergue que abriga todos os desvalidos inclusive eu entrei assim como um sem chão e você me deu de beber dos seus beijos me deu de comer do seu corpo  fui ficando e agora tenho direitos adquiridos por usucapião a sua ração diária de carinhos no café da manhã almoço e jantar petiscos de sexo nos intervalos meu amor talvez o que você nem saiba é que agora seu sangue circula no meu sistema na velocidade acelerada das manhãs apocalípticas do meu entardecer e antes que o sol se ponha definitivamente anote mais uma vez o que fica eu te amo mas não precisa entender tanto faz a ordem quando olho pra esses jardins ensimesmados minha vontade é despedaçar palavras cortar em várias partes esquartejar e fazer você engolir fração por fração até ser um inteiro completo desse amor fragmentado coisa do imaginário desde sempre desde quando nem havia a luz nem o verbo desde antes da criação do cosmos você teima em dizer não existe pelas entrelinhas pelos escaninhos do tempo você me deu de beber dos seus beijos me deu de comer do seu corpo  fui ficando e agora tenho direitos adquiridos por usucapião a jantar petiscos de sexo nos intervalos desse desejo hermético obscuro inerte como as estrelas já mortas vomitando os excrementos da saudade do seu toque vou te amar aqui e para sempre morar em seu coração albergue que abriga todos os desvalidos inclusive eu entrei assim como um sem chão mas não precisa entender tanto faz a ordem quando olho pra esses jardins ensimesmados minha vontade é te amar aqui e para sempre morar em seu coração albergue coisa do imaginário do meu entardecer quando nem havia a luz nem o verbo salto no abismo à deriva vomitando sanguinolenta malcheirosa putrefata quando olho pra esses jardins ensimesmados minha vontade é despedaçar palavras anote mais uma vez o que fica eu te amo

domingo, 2 de agosto de 2015

Sons noturnos

Você sabe que está com insônia. Tenta dormir e não consegue. 
Pra que insistir? Levanta logo dessa cama, porra. Essa maldita aí do seu lado ronca feito uma porca. Que nojento. Falar assim da mãe dos meus filhos. Mas é o que ela é hoje. Uma porca lazarenta, gorda, com mau-hálito. E ronca! Maldita insônia, hein? Quem mandou ir deitar mais cedo? Você já sabe que quando faz isso acorda no meio da noite com a geringonça ruminando do seu lado. Tenta dormir, vai. Fecha os olhos, reza, tenta se concentrar num único pensamento, lembra de um mantra! Não funciona. Não funciona? Como assim? Não é você o budista paz e amor? Isso. Rola de um lado pro outro. Acende a luz, bebe um pouco da água que está no copo do criado-mudo. Apaga a luz, afofa o travesseiro, e deita a cabeça sorrindo feliz e pensa: agora, vai.
Fecha os olhos, mantra – oh, mani padme rú, oh mani padme rú -, reza, sua frio, que calor da porra, joga a coberta no chão, ouve a moto que sobe a rua, o guarda-noturno apitando no final do quarteirão...lá longe, o trem de carga que passa discreto no silêncio da noite. E a mente? Um turbilhão. Milhões de pensamentos. Caralho, que saco! Agora você não sabe mais se está acordado ou dormindo porque tem a sensação de que está sonhando, mas ao mesmo tempo ouve todos os sons noturnos. Os estalidos dos móveis, e o ronco da megera, claro. Dá uma cotovelada na infeliz. Não adianta. Não adianta os cambaus. No mínimo ela se vira de lado e diminui a sinfonia. O vizinho da casa ao lado se levanta para ir ao banheiro. Pela hora deve ter dado uma na mulher e agora foi se lavar. Na sequência vai ela. Parede fina do cacete. Da pra ouvir os caras no banheiro, que inferno. Fiquei de pau duro. Mais essa agora. Vai levantar? Nem tenta. Fica deitado. Larga o celular, imbecil. Conferir que horas são nesses casos só piora a sensação de impotência diante do seu desejo de dormir e do cérebro que teima em permanecer acordado.
Puta que o pariu eu preciso dormir. Levanto cedo amanhã. Amanhã? Cê tá de gozação. Num tá ouvindo o primeiro ônibus passar na rua de cima? O primeiro pio do bem-te-vi? Jesus, me ajuda! Você acabou de descobrir que tá há quatro ou cinco horas acordado quando deveria ter dormido. Bate um desespero infernal, não é? Você tinha um compromisso logo pela manhã? Fudeu. Não tem remédio mesmo. Que luz é essa que vem da janela? Espera um pouco. Não acredito. Já amanheceu? E eu aqui acordado??? Não dormi a noite toda! Não, por favor, não, não pode ser, de novo nãããããããão...
- Antônio Carlos! Antônio Carlos!!
- Hã? Que foi Maria Amélia, que foi?
- Que saco! Para de gritar. São três da manhã! Me deixa dormir. Acho que você tava sonhando.
- Sonhando? Então...eu tava dormindo?

(Lourdes Maria – 21/07/15 )

Boca a penas: OITO PERGUNTAS A PENAS com BIANCA VELLOSO

Boca a penas: OITO PERGUNTAS A PENAS com BIANCA VELLOSO: Bianca Velloso nasceu gaúcha, na capital do Rio Grande do Sul, em novembro de 1979. Filha de uma médica ginecologista e d...

domingo, 19 de julho de 2015

E se fizer frio...azar


Ela me olha com os olhos pequenos rodeados de ruguinhas de expressão, pele bem judiada, entre surpresa e desconfiada quando me aproximei explicando minhas intenções. Ela era uma senhorinha baixinha e, muitas vezes, menor que a placa de 2 ou 3 dormitórios, lançamento venha conhecer que segurava com as mãos pequenas. Sabe aquelas pessoas que ficam paradas nas esquinas das ruas tomando conta de placas com propagandas de empreendimentos imobiliários nos fins de semana? Então. Sempre vejo essas pessoas ali paradas o dia todo em pé. Homens e mulheres de todas as idades. Cruzo com elas logo cedo quando vou pra São Paulo de trem, no sábado. Na volta, à tarde, estão lá ainda.
Sempre quis saber quem são essas pessoas, como vivem. Criei coragem e falei com a senhorinha. Apesar de surpresa pelo meu interesse, acabou me contando que mora bem longe, na Zona Leste, que pega ônibus, metrô e trem até um trecho onde se encontra com outros da turma que cobre aquela região. Uma van dirigida por um sujeito que funciona como um capataz (a expressão é minha, ela não disse isso) traz até ali. Ele dá ordens, explica o que pode e não pode, na hora do almoço leva os marmitex – que são consumidos ali mesmo, no chão das calçadas – e faz o pagamento no fim do dia.
E pra fazer suas necessidades? Ah, dona, a gente conta com a boa vontade das pessoas das casas ou de algum comércio por perto. E quando chove? Bom, se chover muito a gente é dispensada. E se fizer muito frio... azar. Ou torra no sol. E não pode deixar a placa cair nem ficar torta. Quando venta é pior porque tem de fazer força pra segurar a danada no lugar. Também não pode ficar de papo com as colega, nem sentar no chão. O certo é ficar em pé. Só que cansa, né? Aí a gente senta e reza pro fiscal não ver porque se ele pega a gente sentada vem bronca, desconta a diária sabe? A diária é trinta real. Dá um total de 60 no fim de semana. Mas eles descontam a marmitex e a condução de casa até a van é por nossa conta. No fim, não sobra muito, mas fazer o quê, né dona? Não tem muita escolha. Tô velha. Tenho pobrema de coluna. Nem faxina dá pra fazer.
A plaqueira tem três filhos pequenos (duas meninas e um garoto) e mora com a mãe de quase 70. Faz outros bicos durante a semana. Emprego, emprego mesmo de verdade nunca teve. Os seus 48 anos aparentam mais. Só estudou até o quinto ano – não sabe até quando vai conseguir segurar placas nas ruas em pé oito horas seguidas. Mas, por enquanto, é essa placa, que ela segura com firmeza apesar de sua figura frágil, que lhe dá algum alento.

Engraçadinha, mas...


Não tenho inimigos. 
Apenas desafetos
Afetados pelo próprio
(Des) afeto.

Inteiro



Pedaço, pedaço, pedaço, 
Um pedaço pra cada uma. 
Mas quando ele vem
Meu pedaço é só meu. 
Não divido com ninguém. 
O meu pedaço é inteiro
Não vem aos pedaços.

A Outra


Levava a pequena criança pela mão, atravessava o mar de carros na avenida e voltava pra casa. Era assim todas as manhãs e à tarde. Não questionava.
Depois, bebia o chá, comia o bolo e sonhava: agora sou outra.
Feira, açougue, padaria. Fogão, máquina de lavar. Mas hoje, hoje vai ser diferente. Porque agora sou outra.
Coloca o vestido decotado, calça o sapato de domingo, passa o batom e o perfume emprestados, e sai para encontrar seu amor.
No caminho, alimenta o sonho: agora sou outra.
O coração, acelerado, lugar-comum dos apaixonados, quase pára com as lembranças das cenas na sala de estar da casa da melhor amiga. Foram beijos obscenos, pegação, esfrega-esfrega e a promessa de Jurandir: quero te comer todinha. Me liga. Era sua primeira vez como a outra. Mas que importa? Agora sou mesmo outra.
E no local combinado, assenta o corpo na cadeira do café. Pede um cappuccino e suspira enquanto deseja o marido da amiga, um gostoso tão diferente daquele indigente, pai de sua filha.
Meia-hora, uma hora...finalmente...o encontro naufragado. Os olhos choram por dentro. O que eu fiz de errado? Agora não sou a outra?
Travestida de indiferença, paga a conta pro garçom que, acostumado, adivinha o desfecho do enredo. Mas, não, com ela, não. Afinal, agora ela era outra.
Volta pra casa, se arrasta. Depois, pega a criança pequena pela mão, atravessa de volta o mar de carros e em casa faz sopa de letrinhas. Mistura lágrimas à salsinha, coloca ração para o gato, água para o periquito, tira a roupa do varal... enquanto pensa: agora sou outra mulher.

domingo, 28 de junho de 2015

O velório

 


Sono, pálpebras pesadas,
fecho os olhos, era eu ali
engolindo as mortas-vivas....
uma pós-culpa.
era eu Julieta.
Bebo o veneno.
morro antes do alvorecer?
Não. Mato antes.
Que se dane.
quero que ela morra
de morte bem matada.
E a outra? Idem.
de morte bem morrida.
As duas debaixo de sete palmos
de terra feia e escura.
Morram! Antes elas do que eu
Eu vivo! ele vive, e nem sabe, o defunto.

Moonlight espiralada

 
A batida no teclado
ouvindo o jazz - coisa antiga -
dedilhando o laptopo? o smartphone?...
quem sabe?
dá um shazam pra salvar
o nome da música.
e a letra?
Sim, a letra, ela tudo sabe,
ela escreve e reinscreve
você também sabe bem o quê.
minha falta? meu furo?
em que buraco você foi se meter?
I see moonlights
Don't get me wrong
They come and go like fashion.

domingo, 17 de maio de 2015

A Pedra da Paciência - Syngué sabour


Reza uma lenda persa que ao encontrar uma pedra mágica deve-se contar a ela todos os nossos segredos. Aquilo que normalmente não revelaríamos nem ao nosso travesseiro a pedra escuta, silenciosa, sem julgamentos...e quando ela se partir em pedaços significa que a pessoa se livrou do peso daquelas confidências e agora pode seguir livre sua vida. O nome da pedra? Pedra da paciência.
Também é o nome de um filme de produção conjunta França, Alemanha e Afeganistão cuja história se passa neste último. Um local dominado pelos extremistas do Estado Islâmico, que invadem as casas, impõem regras e normas absurdas....(muito semelhante a um outro filme, Timbuktu, do qual também vou comentar em breve), mas isso é apenas o pano de fundo.
Na verdade, o foco do enredo são os diálogos, se é que se pode dizer assim, travados entre a esposa, interpretada pela atriz belíssima Golshifteh Farahani, e o marido em estado vegetativo - um herói de guerra, por Hamidreza Javdan -  em coma porque levou um tiro ao defender a própria honra, que faz as vezes de pedra da paciência.
A lenda, bem como as falas da personagem solitária, me fizeram lembrar o papel do psicanalista. Com a diferença que, ao contrário da pedra que se mantém sempre calada, o profissional que trabalha com o inconsciente humano faz pontuações durante as sessões de análise, com o intuito de chamar a atenção do analisando para detalhes que talvez ele não tenha notado e que serão importantes no desenvolvimento de suas descobertas sobre si mesmo.
Mas no filme, a jovem afegã se descobre, falando para o marido sobre coisas que normalmente jamais poderiam ser ditas, com pena até mesmo de morrer apedrejada.
Depois de dez anos de um casamento no qual nunca foi ouvida pelo marido, ela diz: só agora você está me ouvindo. Você nunca me ouviu, nunca me beijou...
E quantas mulheres conhecemos que vivem exatamente assim? Não se sentem ouvidas por seus companheiros... não beijam mais...Dá pra imaginar um relacionamento marital onde o beijo, e qualquer outro tipo de toque que lembre de longe um carinho, foi totalmente excluído?
Assim vive a maioria dessas mulheres afegãs representada pela personagem de A Pedra da Paciência.
Mas, me pergunto, será que em nossa sociedade ocidental, considerada tão livre, tão democrática (como diria Deleuze: desconfio das democracias) esse tipo de situação não existe?
Não digo pelo excesso de rigor que o islamismo impõe (embora isso seja bastante controverso e essa é uma seara na qual não quero me meter a analisar por conhecer muito pouco), mas quantas mulheres bem próximas a nós passam boa parte da vida sem beijar na boca o próprio marido simplesmente porque o primeiro sintoma de que algo não vai bem numa relação é a interrupção dos beijos.
O sexo pode se manter, mas sem beijo na boca. Atitude muito parecida com a adotada secularmente pelas prostitutas que, por contrato do oficio, se propõem a fazer de tudo (inclusive mentir para o cliente dizendo que ele é o melhor), menos beijar na boca.
Bom, mas voltando ao Pedra da Paciência, não é um filme que nos leve às lágrimas. E raros são os momentos que nos faz rir.
Mas  tem cenas muito simbólicas: o encontro com a tia e a força da união desse feminino paradoxalmente tão forte num país onde o masculino impera; a surpresa diante da impotência do guerrilheiro que, buscando sexo, encontra compreensão e carinho; a contradição que leva à sobrevivência ao mentir que vende o corpo pra se livrar de um estupro iminente.
É um filme que, pelo nome, não se tem a menor ideia  da grandeza e da profundidade do seu conteúdo. Reflexivo, emociona quando se imagina que o drama retratado por ele pode estar muito mais perto de nós do que imagina nosso vão suposto saber.
Faz pensar em como avançamos pouco no quesito respeito ao ser humano.
Não conhecia o diretor Atiq Rahimi, mas me encantei com ele.
Valem a pena todos os minutos do filme, que recebeu indicações ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2014 e ao Cesar de atriz revelação. Merecidos ambos os prêmios que, infelizmente, não aconteceram.
Talvez porque, afinal, a condição feminina retratada por A Pedra não seja assim um privilégio apenas de sociedades muito rígidas como as pautadas pelo islamismo e dominadas, agora, pelos extremistas muçulmanos que, na verdade, fazem suas próprias regras alegando ser tudo vontade de Alá.
Alá que o diga!
Clica no link para ver o trailer oficial. Espero que gostem!
A Pedra da Paciência

Deixando o Rancor de Lado: Cultivando a Liberdade Interior

O   rancor é um sentimento negativo que pode prejudicar nossa saúde mental e nossos relacionamentos. Abaixo, apresento algumas estratégias ...