quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Sobre EDUCAÇÃO ALIMENTAR Por que não consigo atingir meus objetivos?

Se você está em tratamento nutricional e não está conseguindo obter o resultado desejado este texto é para você. 
Você já deve ter lido, ou ouvido falar, ou mesmo assistido a dezenas de vídeos de coachs e gurus mundo afora sobre processos de autossabotagem e modos milagrosos de se “curar”.
Se você já fez tudo o que lhe indicaram e mesmo assim não atingiu suas metas de emagrecimento,  já deve ter se perguntado por que não consegue sair desse processo.
Comportamentos de autoboicote são comandados pelo seu inconsciente, ou seja, você não tem nenhum controle sobre eles... pelo menos até que se tornem claros pra você!
Por isso não basta boa vontade nem repetir autoafirmações "milagrosas".
Não existe um truque, uma dica sensacional que apenas aquele coach tem (e que vai cobrar bem caro para lhe dar).
Existe um processo de análise que, contrariando algumas crenças errôneas, nos faz de verdade ganhar tempo para viver nossa vida mais intensamente.
Comer de forma exagerada – principalmente alimentos ou bebidas que nos dão um prazer a mais, como chocolate, doces e bebidas alcoólicas – pode ser uma forma de compensar outros tipos de prazeres que pensamos não termos direito. Comer está diretamente associado ao prazer. Se eu acredito (inconscientemente) que não tenho direito a outro tipo de prazer (como o sexual, por exemplo) posso estar compensando comendo de forma exagerada!
Se neste momento você não está conseguindo ser disciplinado o suficiente para conseguir os resultados de sua educação alimentar e utiliza “desculpas” do tipo “é só um pedacinho/golinho, eu mereço, hoje é sexta, depois eu compenso...” atenção: Pode ser que você esteja vivendo um momento de autossabotagem!
Para a psicanálise o corpo é a expressão do psiquismo, ou seja, aquilo que sentimos, pensamos e, não elaboramos bem, vai acabar aparecendo no corpo de um jeito ou de outro.
Por isso o excesso de peso pode sim ter causas de ordem emocional, que às vezes só a educação alimentar não consegue resolver e que você sozinho, por mais que se esforce, não consegue também.
Existem muitas razões para alguém comer em excesso que podem ter sua raiz no seu inconsciente. 
E por que a psicanálise pode te ajudar? 
Porque todos temos um desejo, um querer, contra o qual lutamos ou do qual nos distanciamos quando os sintomas nos incomodam. E uma análise permite reconhecer quais são os sintomas e atenuar o sofrimento para que se possa liberar aquilo que desejamos de fato. E o que é esse querer, esse desejo, senão a nossa própria vida em todos os níveis? Você pode se perguntar por que deixou sua saúde de lado...por que não SE CUIDA....
Como cheguei até aqui?
Como tenho levado a minha vida? O que me incomoda?
E não são as respostas que te farão desejar saber mais sobre você mesmo e como sair desse círculo vicioso de autossabotagem.
São os questionamentos, as dúvidas!
Este texto sobre educação alimentar é só uma isca! 
A psicanálise ajuda em todos os setores da nossa vida: relações amorosas, relações parentais, pessoais, profissionais...
E se você deseja saber mais... está na hora de começar sua análise pessoal!
:)
(texto originalmente publicado em https://www.facebook.com/lourdesriverapsi/)

SOBRE O CIÚME

Freud afirma que "o ciúme é um daqueles estados emocionais, como o luto, que podem ser descritos como normais." 
E alerta:" Se alguém parece não possuí-lo, justifica-se a inferência de que ele (o ciúme) experimentou severa repressão e, consequentemente, desempenha um papel ainda maior em sua vida mental inconsciente".
Ou seja, aquelas pessoas que costumam dizer que não são ciumentas...sinto muito informá-las, mas sim, vcs são ciumentas.. 
Freud divide o ciúme em três categorias - ou camadas ou graus, para manter os termos originais.
O primeiro nível seria esse que ele chama de "normal", mas que, "não é, em absoluto, completamente racional". Ou seja, por estar enraizado no inconsciente (sempre) e ser uma continuação das primeiras manifestações de ciúmes que temos em relação aos nossos pais, principalmente em relação à mamãe, pode levar às famosas e intermináveis DRs em que o enciumado cobra do seu objeto de amor, geralmente, mais atenção, etc, exatamente como fazia com sua mãe por ela dar (na sua opinião) mais atenção ao irmão mais velho, ou mais novo, ou ao pai, hoje em dia, ao trabalho.
Parece simples, mas não é. Tomado pelo ciúme, ainda que nesse primeiro nível, o sujeito pode imaginar situações envolvendo seu (sua) amado (a) que não correspondem exatamente à verdade. Às vezes, ele (ela) acerta em suas desconfianças. E então... há uma quebra da confiança, e o amor é posto à prova. 

Numa primeira vez é possível superar a crise. Mas quando a quebra de confiança se repete indefinidamente e as promessas de mais atenção não se cumprem, dificilmente o amor resistirá.
E aquelas pessoas que dizem que não têm ciúmes?
Nesse caso, Freud vai dizer que se trata do ciúme da segunda camada, o ciúme projetado, ou seja, essas pessoas já partem de sua própria infidelidade (realizada ou imaginada) e, portanto, acreditam que se elas traem, todo mundo trai, portanto, pra quê perder tempo com ciúme? O que elas não sabem é que elas têm tanto ciúme reprimido (lá atrás, pela mamãe, mesma coisa) que encontram alívio às pressões das convenções sociais projetando no(a) parceiro(a) a sua incapacidade de se manter fiel (minha mãe não foi fiel a mim, por que serei a ela??). Se o seu objeto de amor o trair, tanto melhor. Além de comprovar sua teoria, alivia sua própria culpa.
E a terceira camada fica com os absolutamente paranoicos, delirantes que chegam às vias de fato e cometem verdadeiras insanidades em função de seus delírios, parcela mínima da sociedade. Raros estão em análise. Geralmente quem procura ajuda são as vítimas dos seus delírios.
A maioria das pessoas talvez se encaixe no grau um e uma faixa representativa no dois. Não existem estatísticas. Mas o que se vê na clínica é:
- Se uma pessoa da camada 1 se relaciona com um indivíduo do grau 2 teremos conflitos eternos. Até porque a pessoa da camada 1 vai viver reclamando ao companheiro a falta de ciúmes dele - o que pra ela significa falta de amor - sem falar nas checadas de mensagens de celular e outras atitudes de controle que toda pessoa da camada 1 exerce. E o companheiro vai passar a vida acreditando que tudo aquilo é cena e que no fundo seu parceiro o trai, traiu ou trairá, porque afinal, para o tipo 2 ninguém é fiel, a começar dele.
- Se a pessoa da camada 1 se relacionar com outra da camada 1 poderá experimentar do próprio veneno quando o parceiro também fizer sua cena de ciúme. Talvez seja o melhor remédio e a possibilidade de o casal se equilibrar na confiança mútua é grande.
- Quanto ao sujeito da camada 2, ele já se relaciona - simultaneamente - com outros da camada 2 na categoria de amantes - porque todo amante é aquele que projeta a infidelidade no outro e, portanto, trai. E deve ter mais de um, claro! É um tipo bem mais resistente à análise.
O assunto Ciúme não se esgota aqui. É mais complexo. Mas por ora, ficamos assim.
A base para este texto foi o de Freud, "Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranoia e no homossexualismo", que vc encontra em Obras Completas - Vol XVIII.

(texto publicado originalmente na minha página do Facebook 
https://www.facebook.com/lourdesriverapsi)

LUTO

Hoje faz um mês que meu irmão, Zezé, morreu. 

Não temos muitas fotos juntos. Uma ou outra quando eu era bebê, ele me carregando no colo. Depois, acho que no casamento dele (eu fui madrinha do primeiro) e no meu (ele foi padrinho do primeiro) e alguns Natais e encontros familiares. 


Esta foto aí foi tirada em 2003/4 não tenho certeza. 
Foi em Foz do Iguaçú numa casa linda onde ele morou com a segunda família. 


Nunca fomos muito próximos, sabe? desses irmãos superunidos? não. Não era o nosso caso.
Mas nos ajudamos sempre que foi possível. Teve um tempo que precisei morar na casa dele com toda minha família e ele me acolheu. Teve um tempo que ele veio pra minha.
Ele saiu de casa muito jovem. Com 16 ou 17 anos foi pra Guaratinguetá servir na Aeronáutica. Depois foi morar no RGS por muitos anos. Nos víamos nas férias. Nos anos 80 ele veio pra SP. Eu fui pra Boituva em 87 e acho que até 96 foi o período que estivemos mais unidos. Praticamente todos os finais de semana ele ia pra minha casa em Boituva. Fim de ano revezávamos: um ano lá, outro cá.
Na última década estivemos bem distantes. Não só geograficamente (ele estava em Mongaguá). Mas era uma coisa assim: não houve uma briga, uma discussão...nada. 

Apenas um distanciamento silencioso. Sem mágoas (pelo menos de minha parte). Nos falávamos por telefone e mais recentemente pelos aplicativos de praxe. Ele sempre muito reservado. Pelo menos comigo. Era a impressão que eu tinha. Diferente daquele Zezé que animava as festas em casa.
Em maio ele me deu uma notícia chata: era sobre a sua doença. Nos vimos algumas vezes nesses últimos seis meses - não tantas quantas eu gostaria -.
Mas a última vez (que eu ainda não queria aceitar que seria a última, embora lá no fundo da alma soubesse) foi decisiva. Houve um olhar. Houve um aperto de mão longo, carinhoso, forte.. ficamos minutos assim, de mãos dadas, mas era um aperto de mão diferente. Um significante de "eu te amo" que acho que eu só disse uma vez, numa carta, quando ele estava havia poucos meses no RGS quando eu tinha uns 15 anos.
Parece que preciso da distância pra avaliar com clareza os sentimentos. A sensação, hoje, é a de que ele simplesmente está distante, meio que como sempre esteve de um jeito ou de outro, mas que a qualquer momento vamos nos ver, ou nos falar.
É isso. Não tive vontade de expor publicamente um mês atrás. Mas agora é possível.
Precisei de um certo distanciamento. De novo.


(texto publicado originalmente no Facebook em 06/12/2017)

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Esquartejando palavras

não precisa entender tanto faz a ordem quando olho pra esses jardins ensimesmados minha vontade é despedaçar palavras cortar em várias partes esquartejar e fazer você engolir fração por fração até ser um inteiro completo desse amor fragmentado que eu teimo em cultivar todos os dias desde sempre desde quando nem havia a luz nem o verbo e se fez a dor que só os poetas entendem e você teima em dizer não existe é coisa do imaginário mas a minha é palpável é sanguinolenta malcheirosa putrefata e está à deriva à tona descoberta e você ignora ou finge e nessa hora salto no abismo desse desejo hermético obscuro inerte como as estrelas já mortas do universo vomitando os excrementos da saudade do seu toque nessa distância de anos luz que faz do nosso amor o mais antigo que invadiu meu coração quando me apaixonei pelas palavras não ditas pelas entrelinhas pelos escaninhos do tempo meu querido meu amigo desde sempre desde antes da criação do cosmos vou te amar aqui e morar em seu coração albergue que abriga todos os desvalidos inclusive eu entrei assim como um sem chão e você me deu de beber dos seus beijos me deu de comer do seu corpo  fui ficando e agora tenho direitos adquiridos por usucapião a sua ração diária de carinhos no café da manhã almoço e jantar petiscos de sexo nos intervalos meu amor talvez o que você nem saiba é que agora seu sangue circula no meu sistema na velocidade acelerada das manhãs apocalípticas do meu entardecer e antes que o sol se ponha definitivamente anote mais uma vez o que fica eu te amo mas não precisa entender tanto faz a ordem quando olho pra esses jardins ensimesmados minha vontade é despedaçar palavras cortar em várias partes esquartejar e fazer você engolir fração por fração até ser um inteiro completo desse amor fragmentado coisa do imaginário desde sempre desde quando nem havia a luz nem o verbo desde antes da criação do cosmos você teima em dizer não existe pelas entrelinhas pelos escaninhos do tempo você me deu de beber dos seus beijos me deu de comer do seu corpo  fui ficando e agora tenho direitos adquiridos por usucapião a jantar petiscos de sexo nos intervalos desse desejo hermético obscuro inerte como as estrelas já mortas vomitando os excrementos da saudade do seu toque vou te amar aqui e para sempre morar em seu coração albergue que abriga todos os desvalidos inclusive eu entrei assim como um sem chão mas não precisa entender tanto faz a ordem quando olho pra esses jardins ensimesmados minha vontade é te amar aqui e para sempre morar em seu coração albergue coisa do imaginário do meu entardecer quando nem havia a luz nem o verbo salto no abismo à deriva vomitando sanguinolenta malcheirosa putrefata quando olho pra esses jardins ensimesmados minha vontade é despedaçar palavras anote mais uma vez o que fica eu te amo

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

ODE AOS CRENTES

Acreditei em cegonha, coelhinho da Páscoa e Papai Noel
Acreditei que o homem andou na lua
Acreditei que leite com manga fazia mal
Acreditei.
Acreditei que o bem sempre vencia o mal
Acreditei que bastava me confessar para um padre que os pecados estariam perdoados
Acreditei em pecados
Acreditei em perdão
Acreditei.
Acreditei em finais felizes e fins de semana coloridos
Em almoços de família em domingos ensolarados
Acreditei em versos e prosas
Em discursos e movimentos
Em ideais e mantras
Acreditei.
Acreditei em afirmações positivas
Em meditação ativa
Tarô, mitos e astrologia
Acreditei que amor rima com dor
Rima empobrecida e desgastada pela rotina
Acreditei em vida eterna, vida longa, sem limites
Acreditei
E finalmente, acreditei nas pessoas, nas promessas, nas palavras
Sem saber que é preciso aprender a não acreditar em nada
Que não seja em sua própria falta de razão para existir.

Apenas ser.

domingo, 13 de agosto de 2017

Meu pai já era um metrossexual nos anos 50


Não sei se na década de 50 todos os homens eram vaidosos como meu pai. Vendo as fotos de sua juventude, e juntando com as minhas lembranças, acho que ele já era um metrossexual naquela época. Usava terno todos os dias, sempre cheiroso com sua Água de Lavanda Alfazema, tinha o cuidado de sempre ter um lenço de cambraia em um dos bolsos do paletó com o mesmo cheirinho da lavanda (quem viu o filme "O Estagiário", com o Robert de Niro, sabe do que estou falando!). Vestia-se com elegância em todas as ocasiões. Mesmo para ficar em casa, lá estava ele de calça e camisa social (de manga curta), sapatos e meias. Chinelos só para ir do quarto para o banheiro na hora do banho, ou na praia!
Cuidava da nossa saúde, sempre atento a espirros e tosses, febres e diarreias. Nos medicava com fitoterápicos. Era adepto à homeopatia. Queria ter sido médico - sua maior frustração -. Não deu. Com pouco mais de 14 anos teve de sustentar a mãe e mais 9 irmãos menores com a morte prematura do pai - um jornalista boêmio que não se ligava muito em contas e outras obrigações. Herança do avô e do bisavô. Todos jornalistas e boêmios (como a maioria de seus irmãos).
Assim, contam as histórias. Meu pai não foi jornalista, mas adorava ler jornais, lia uns três por dia e eu cresci ali no meio daqueles jornais todos, e discos (ele adorava ouvir música sozinho na sala, na penumbra, e eu já me vi fazendo assim tantas e tantas vezes na minha vida), e livros, prateleiras e prateleiras deles, de todos os gêneros. Meu pai achava que a gente tinha de saber um pouco de tudo, além do que a escola ensinava. Meu interesse pelas civilizações antigas, papiros e pergaminhos vem daqueles livros enormes sobre egípcios, tumbas e faraós, e também um pouco porque ele era da Rosa Cruz - e às vezes eu lia escondida o material da Ordem que ele guardava a sete chaves num baú de madeira.
E a escrivaninha dele? Era meu xodó. Mas deu cupim, não conseguimos salvar.
Ele lutou na Revolução de 1932 - foi "pracinha". Tinha um parabelo e um capacete verde do exército como lembrança. Sentia orgulho de São Paulo ter-se rebelado contra o governo golpista de Getúlio Vargas. Era contra a ditadura mas não era a favor dos comunistas. Contra todo tipo de tortura e violência, como não tinha papas na língua, quando saía para trabalhar ficávamos com medo de ele ser preso porque ele não escondia de ninguém que abominava o governo militar, embora não fosse comunista! Ele sempre deixou clara sua admiração e respeito pelo povo russo, mas achava que ser contra o governo militar não fazia dele um comunista.
Tenho boas lembranças de papai nos almoços de domingo, quando a família invariavelmente se reunia, e em festas nas casas de parentes. E em viagens. Papai gostava de viajar. Nunca teve carro, mas isso não era problema. Tinha um amigo taxista que nos levava até a rodoviária em São Paulo (onde hoje é a cracolândia) e de lá pegávamos o ônibus para Itamonte, em Minas, na bela Serra da Mantiqueira - ponto de partida para passeios no circuito das águas: Caxambu, São Lourenço, Baependi. Outro roteiro de férias era Guaratinguetá, no Vale do Ribeira, onde ele havia passado parte da adolescência e juventude e onde ainda moravam bisavó e tias que fizeram parte de momentos importantes de minha infância. Talvez seu maior defeito fosse beber além da conta quase todos os dias. Mas não ficava agressivo. Chorava se estivesse triste, lamentando sua adolescência interrompida - , ou se estivesse alegre, cantava junto com os discos que ouvia. Arriscava dançar nos melhores dias.
Era um homem que queria ser alegre e deve ter sido. Talvez antes dos filhos chegarem e as responsabilidades aumentarem _ responsabilidade era uma palavra com um peso imenso que ele carregava nas costas desde os 14 anos. Essas fotos que ilustram este texto são de 1950, quando ele ainda estava em lua de mel... Parecia bem feliz!
Meu pai achava que o casamento devia ser a última opção de vida. "Primeiro faça e viva tudo que tem vontade. Conheça lugares, pessoas, tenha experiências..." - era seu mantra. Ele se casou depois de todas irmãs e irmãos se casarem e depois dele ter namorado todas que teve vontade até que conheceu minha mãe. Ele não achava que eu tinha de me casar. Antes, estude, trabalhe... Infelizmente eu não o ouvi - como em geral fazem todos os filhos. Fiz tudo junto e misturado.
Pena que ele morreu cedo. Ele fez (faz) muita falta. Eu mal havia me casado (a primeira vez). Então, meus filhos não tiveram a oportunidade de conviver com esse homem possível, cheio de qualidades e de defeitos, que tinha dias bons e outros nem tanto. Não era santo nem demônio. Era apenas o pai que me coube nesta vida.

domingo, 23 de outubro de 2016

Menta com romã

Inspirada na Lei Maria da Penha, que completa 10 anos, e no sofrimento impossível de nomear das milhares de mulheres que são agredidas sob diversas formas, saiu o texto a seguir.

"Depois de espirrar o própolis sabor romã com menta na sua boca, Matilde engoliu a seco como sempre fizera.
Minutos antes de sentir a fisgada da inflamação na garganta, como se um anzol enganchasse nas suas amídalas, ela ouvira um "cala essa sua boca", que a pegou de surpresa, como um soco do boxeador no adversário distraído.
Não quis acreditar que aquele "cala a sua boca" tivesse sido desferido pelo seu preferido.
Melhor fingir que a grosseria fora desencadeada por absoluta falta de escolha mais adequada de palavras?
Mas Matilde se acostumara às grosserias. Todos os seus relacionamentos acabaram em violência verbal ou física. Essa maldita força demoníaca era invocada inconscientemente e arrastava tudo o que estava ao redor. Vivera assim, no olho do furacão.
Ela, Matilde sabia: vai começar tudo outra vez. Ela, de novo, se posicionava ali, no altar do sacrifício, pronta para a degola. Sabia que seria acusada de provocar a ira dos deuses e sentiria a culpa cotidiana. E pediria perdão por ser assim.
Essa era sua marca tatuada na alma. Enquanto o som do recente "cala essa sua boca" ardia ainda nos recantos do canal auditivo, Matilde pensava: esse não era um cala a boca qualquer.
Desta vez seria um "cala essa sua boca" definitivo. O primeiro e o último dessa relação tobogã.
Tinha gosto de ponto final sabor menta com romã." 


(Lady Lou - 23/10/2016)

domingo, 24 de abril de 2016

Essa sua canalhice

Não tem como. Hoje vou dar um fim em tudo. Essa sua miserável apatia me enlouquece.
Acendi um incenso pra ter pelo menos um cheiro bom no ar.
Coloquei mais açúcar na caipirinha pra ter um doce pra sentir.
Outro dia você me trouxe flores. Até chorei, lembra? Mas os chocolates....dei pro cachorro depois de saber das tantas outras presenteadas... Eu sei, você disse, você sempre diz: elas não importam.
Mas essa sua miserável inércia...
Não tem como. Hoje vou ter de dar um fim.
Liguei o ventilador pra ter mais ar.
Traguei a fumaça do charuto pra esquentar o peito vazio. Você deixa ele assim.
Naquele dia, você me deu o anel, lembra?
Eu te beijei por cinco minutos, boca, rosto, olhos, nariz... e você ria, ria... Estava feliz. Mas as cartas... dei pra reciclagem depois que encontrei as trocadas com tantas outras...
Eu sei. Você disse. Você sempre diz. Elas são nada!
Mas essa sua miserável presença...
Não tem como. Hoje vou ter de dar um basta.
Já deixei tudo pronto: martelo, cutelo, câmeras desligadas, as malas.
Quando você chegar com sua sedução eu vou te embriagar com aquele vinho, você sabe qual, aquele do encontro, o único que valeu a pena...por que pegaria um avião?...você disse, você sempre diz.
Tirei as crianças de casa e liguei o som.
Quando você dormir nos meus braços - sim, você vai adormecer feito um príncipe, como sempre, aninhado depois do amor, nos meus seios - nessa hora, vou dar um fim em tudo. Não tem como.
Essa sua miserável canalhice me excita.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Partiu maternidade

Há 30 anos nascia Iara. Iara foi concebida de propósito, de caso pensado. Parei de tomar pílula quando voltamos da "lua de mel" de Olinda/Recife/Salvador. Hoje eu entendo o que minha ex-chefe de redação quis dizer com "vocês não têm um lugar mais nobre para passar a lua de mel, em algum país da Europa, por exemplo?" E olha que ela era do "partidão", hein, e com essas ideias burguesas....Pois é dona Luzia, quase 30 anos depois eu estive na Europa, sozinha, sem marido pendurado, graças a essa menina fruto da abstinência anticoncepcional. Ela estava morando num dos países mais prósperos do Velho Continente e eu fui visitá-la. Se não tivesse jogado fora a cartelinha...nada de Suécia!
Eu era fértil, paca! Parei num dia, no outro, pimba! Mas apesar dos meus, apenas, 26 anos, foi uma gravidez de risco. Tive ameaça de aborto aos 5/6 meses e precisei ficar em repouso absoluto até o nono. Claro, que esse absoluto não foi tão absoluto assim, mas cheguei até o fim com o barrigão. Assim mesmo ela, apressadinha como sempre, nasceu sem completar as 38 semanas de praxe. Aliás, quase nasceu no táxi. Era domingo de Carnaval. Nada de celulares ou de whatsapps naquela época, meus caros. O obstetra me garantiu que não ia viajar. Mas não podia prever um parto num domingo folião. Então passamos o dia tentando localizá-lo.
Lotamos o pager dele de recados. Secretária eletrônica idem. Isso desde as dez da manhã quando as contrações começaram. No início não dei bola. Afinal, passei a maior parte do tempo com elas...até que a bolsa estourou. Pânico geral. Nada de encontrar o doutor. Quase 12 horas depois conseguimos contato. Estava no sítio da sogra. Me mandou correr para o hospital. Óbvio que correr era uma figura de linguagem. Eu mal conseguia parar em pé, mas também não conseguia parar sentada. Finalmente, "partiumaternidade".
A "corrida" não foi fácil. O táxi não era nenhum Uber, gente. Anos 80...era uma carroça qualquer. Todos os carros eram ruins se comparados aos que existem hoje. O que mudava era que os mais novos eram menos piores. Mas esse não era o caso daquele táxi. A sorte é que pelo menos o taxista era educado e cuidadoso ao dirigir, artigo raro nos dias atuais.
A Maternidade foi a São Paulo, na rua Frei Caneca. Na época, ainda uma rua classuda. 
Iara não esperou muito. Às 23h45 deu o ar da graça. Parto normal, sem dor, com peridural e tudo. Até hoje algumas pessoas se espantam: mas no século passado, parto normal com anestesia??? Oui, chérie. Meu médico era "prafentex" e tinha o mesmo nome de um dos autores da literatura brasileira que eu mais admiro e me inspiro: Nelson Rodrigues.
Parto normal é ótimo! Você sai andando serelepe assim que termina o efeito da anestesia. Sem dor, sem incômodos. O leite desce facinho e o bebê fica feliz. Você dorme tranquila - sem cortes - e acorda disposta.
Retoma rapidinho seu manequim anterior à gravidez e logo entra naquela calça jeans, justinha, azul e desbotada. Coloca seu rebento no carrinho e vai orgulhosa passear na pracinha ou no play. E faz o maior sucesso! Eu fiz!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Um circo de percalços falsos - Guia para a bibliotecária das galáxias

Capa do livro criada por Teo Adorno

Para você que lê e curte Repertório Feminino experimente o blog Um circo de percalços falsos - Guia para a bibliotecária das galáxias

https://umcircodepercalcosfalsos.wordpress.com/2016/01/26/xengo-delengo-tengo/

Trata-se de um projeto literário coletivo que nasceu dentro da Oficina Cultural Casa Mário de Andrade sob o coordenação do escritor Luiz Bras, que também participa com contos de sua autoria.
O projeto - uma coletânea de contos em torno de um tema comum, sobre o qual os autores se debruçaram, gira em torno de um universo fantástico, o nono andar da Biblioteca Mário de Andrade e as aventuras dos personagens Manu, a bibliotecária, e os demais - virou livro.
Enquanto o livro não vem, os autores criaram esse blog alimentado com outros contos do mesmo tema, mas que ficaram de fora do livro.
O mais interessante desse projeto é que o blog pode ser alimentado com contos de outros autores que não fazem parte originalmente do projeto, mas que identificados com a proposta de criação coletiva, ou mesmo com o tema da literatura fantástica, se sintam motivados a participar. Nesse caso, basta escrever o texto e submetê-lo para a editora, informação que pode ser facilmente encontrada no próprio blog.
Bom, chega de papo.
O bom mesmo é você ir correndo lá.
Xengo-delengo-tengo é de Lady Lou, meu alterego para o projeto.
Já temos quatro contos, além do texto de abertura, escrito por Luiz Bras, que explica muito melhor o que é o universo compartilhado, 
Boa degustação!

Pajelança das letras

Você que lê e curte Repertório Feminino, experimente também Pajelança das Letras.

http://aladylou.blogspot.com.br/

Tem outra pegada, mais literária, ainda que não tenha pretensão de, serve como um laboratório para meus escritos.
Te espero lá!

Deixando o Rancor de Lado: Cultivando a Liberdade Interior

O   rancor é um sentimento negativo que pode prejudicar nossa saúde mental e nossos relacionamentos. Abaixo, apresento algumas estratégias ...