segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Valquíria e suas histórias

Já fazia um tempinho Valquíria não tinha um namorado. Aliás, não tinha ninguém do sexo masculino. Andava meio interditada, desconfiada, arisca. Vivia um dilema. Queria se apaixonar perdidamente como fizera aos 15, 16, 17, 18, 20 e 23 anos. Mas ultimamente não conseguia se interessar por ninguém. Todos os homens eram feios e velhos. Barrigudos, dentes malcuidados, fedidos. Cabelos desgrenhados. Tudo bem que nos últimos tempos ela não frequentava ambientes assim, digamos, sofisticados. Mas também não andava embaixo de viadutos. Não entendia por que atraía aqueles tipos esquisitos sendo uma mulher tão bonita, inteligente, fina e educada. Seria praga do ex? Praga da vizinha-bruxa? Enfim, a situação não era nada animadora quando Adonis ligou convidando pra sair. Convidar pra sair significava ir pra cama direto. Adonis não era de levar ninguém pra jantar, pegar um cineminha, teatro, imagina? Adonis ia direto ao assunto. Mas Valquíria não sabia disso. E criou uma porção de fantasias, claro. Como fazia um tempão que eles não se viam, Valquíria tratou de ir ao cabeleireiro, fez depilação, comprou uma lingerie sexy.
Fazia um frio de lascar. Chuviscava. Aquela garoa fina e forte de Sampa, saca? Ah, não. Não ia a pé até a estação de trem, de jeito nenhum! Não havia progressiva que resistisse àquela maldita garoa fora de hora! Putz, já estávamos em dezembro! Frente fria com massa polar vinda do Sul. Só faltava essa.
Já tinha gasto uma grana no salão, na lojinha do seu Duílio, e agora, mais essa: ia ter de chamar o táxi.
Trem, metrô. Lá estava Adonis. Ele era tão bonito. Mas, pelo jeito, pelas roupas e por não ter carro, a vida pra ele não fora assim uma brastemp, como não havia sido pra Val. Porém, ficara aquela imagem de quando eram 25 anos mais novos. Ficara na lembrança aquele beijo que não trocaram, aquela transa que não aconteceu. O coração bateu forte.Apesar do tempo passado ele continuava bonito. Será que nessas horas enxergamos apenas com os olhos da alma? É provável.
Abraços, beijinhos discretos no rosto, como velhos amigos que se reencontram depois de muitos anos, metrô, hotel. Rola um certo constrangimento na recepção. Valquíria pensa: será que a funcionária pensa que eu sou mulher de programa? Esposa? Amante? Andam até o quarto como dois irmãos. Porta trancada, se atracam. Querem recuperar tanto tempo perdido. Beijos, línguas, mãos, braços, abraços, aquela loucura. Bom, mas a gente não vai conversar? Jantar? Dar uma volta? Tudo bem, pensou Valquíria, fazemos um lanche mais tarde tudo bem não, não vamos perder tempo com cinema, claro, e beija, beija. Será que ele vai gostar da calcinha? Nossa, você depilou TUDO? Que delícia, tudo lisinho... Agora vai, ela pensa, quando ele dá aquela pegada. De repente, ele para tudo. Reclama do perfume: é alérgico. Começa a tossir. Valquíria pensa que não, aquilo não está acontecendo. Bom, não há muito o que fazer. Por que não toma um banho? sugere o tal Adonis. Com esse frio? É, prefiro o cheirinho de sabonete...hummmm, responde Val. Ela adorava quando ele a chamava de Val. Mania de paulista. Baiano tem mania de chamar pela última sílaba do nome. No caso dela provavelmente viraria "quiria". Ela não estava muito disposta a tirar a roupa naquele quarto gelado. Não tem aquecedor? Não. Hummm. Tudo bem, já passou, avisa o deus grego. Vamos lá. Ele era bom de beijo. Beijava gostoso...e gostava de beijar. O primeiro sintoma de que um relacionamento vai mal é a ausência de beijo na boca. Por isso, ainda conseguiam se beijar tanto. Estavam só no começo. Valquiria cansou de beijar. Já estava com dor no maxilar. Então, mudou a estratégia e ousou tocar naquilo que mais a interessava naquele momento pra avaliar se todo aquele sacrifício e investimento - cabelo, depilação, lingerie nova, táxi - iria valer a pena, afinal. Cadê? Ué? E aí? Que aconteceu? É que está muito frio, justificou o rapaz, sem graça. Hummmm. Vamos pra debaixo da coberta? Lá está mais quentinho. Foram. Mas, como as coisas não estavam correndo como anunciado insistentemente pelo MSN meses a fio, Adonis garrou contar sua vida desde a última vez em que se viram e depois a infância, e depois falou sobre seus medos, manias, neuroses, casamentos, casos....hummm, respondia Valquíria congelando debaixo do cobertor fininho e considerando que não, definitivamente não queria mais disso pra sua vida. Fingiu que dormiu, esperou ele dormir, roncar e saiu, no frio da noite, pra nunca mais voltar. Quando chegou no apê, a primeira coisa que fez foi trocar seu nickname do MSN. E bloquear o do Adonis.

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